segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

João da Baiana

O perfil dos pioneiros do samba se cruza com a imagem das "tias" baianas que iluminavam a Cidade Nova, no Rio de Janeiro, da maior importância para a formação de quantos viriam a ser os pilares do samba carioca. 


Esse fato ganha relevo quando o focalizado é filho de uma delas, que, estando matriculado, por força do nascimento, na escola diária, pôde beber na fonte oral, aprender com sua mãe o que ela soubera de sua avó, que, por sua vez, fora ensinada pela bisavó.

A batida característica do pandeiro de João da Baiana, ele aprendeu com a mãe, Tia Preseiliana de Santo Amaro, e nas andanças festivas pelos casarões de Tia Amélia do Aragão, Tia Veridiana, Tia Mônica e Tia Ciata. Foi o primeiro a ser visto raspando a faca no prato, um instrumento de ritmo inusitado, também fruto de seu aprendizado com as baianas.

João Machado Gomes nasceu no Rio de Janeiro em 17 de maio de 1887 e lá morreu em 12 de janeiro de 1974. Neto de escravos, único carioca dos doze irmãos, baianos como os pais. Sua mãe promovia festas na Cidade Nova, onde João aprendeu samba e candomblé até os nove anos. Foi quando ingressou no Arsenal da Marinha.

Aos dez anos saía como porta-machado (figurante que abria os desfiles dos ranchos) no Rancho Dois de Ouro e no Pedra Sal, pioneiros no Rio de Janeiro, onde o rancho chegou também vindo do Nordeste. João contava que foi nessa época que introduziu o uso do pandeiro no samba. Com a idade de doze anos dá baixa na Marinha passando a ser ajudante de cocheiro de Hermes da Fonseca, futuro presidente da República.

Trabalha no Circo Spinelli, na claque que aplaudia Eduardo das Neves, o palhaço Dudu, que se notabilizaria como cantor. Aos 15 anos era auxiliar de carpinteiro de estaleiro e atração nas festas pela sua habilidade como pandeirista. Tornou-se conhecido o episódio no qual a polícia apreendeu seu pandeiro impedindo-o de tocar na casa do senador Pinheiro Machado, que, ao saber do fato, presenteou-o com um instrumento novo.

Deixou o estaleiro pelo trabalho de estivador quando tinha 20 anos e em pouco tempo é promovido a fiscal. Recusa convite para fazer parte dos Oito Batutas na viagem à Europa, não querendo trocar o emprego. Preferia viajar para a Bahia, em freqüentes visitas à sua madrinha mãe-de-santo em um terreiro no Gantois, em Salvador. Sua primeira composição é Pelo Amor da Mulata, de 1923, seguindo-se Mulher Cruel, em parceria com Donga e Pixinguinha.

Em 1925, faz Pedindo Vingança e, em 1926, O Futuro É Uma Caveira. Patrício Teixeira grava em 1928 o sucesso Cabide de Molambo, quando João já é ritmista famoso pelo prato-e-faca e pelo pandeiro nas emissoras de rádio. Faz carreira em grupos como Conjunto dos Moles, Alfredinho no Choro, Grupo do Louro, antes de formar com Pixinguinha e Donga a orquestra Diabos do Céu e o Grupo da Guarda Velha, cujo grande sucesso, Patrão Prenda Seu Gado, é um arranjo de antiga chula-raiada criado pelos três.

Em 1940, participa das gravações feitas por Leopold Stokowski, que recolhia música brasileira para ser estudada nos Estados Unidos. João teve a sua corima Ke-ke-ré-ke-ké selecionada pelo maestro.

Depois de algum tempo afastado, volta a gravar em 1954 com a Guarda Velha, á convite de Almirante e, em 1968, com Pixinguinha e Clementina de Jesus. Além de compositor, ritmista e cantor foi pintor primitivista de cenas de Carnaval e paisagens. Retirou-se para a Casa dos Artistas aos 85 anos, falecendo dois anos depois.


Fonte: História do Samba - Ed. Globo.

Donga ou o sr. Ernesto dos Santos

Até o fim da vida Donga permaneceu cercado por música.

"Olha esse ponteado, Donga!" - A exclamação com que Almirante incentivava o violão solista do Grupo da Guarda Velha - entre eles Pixinguinha e João da Baiana - está perpetuada em um dos discos mais famosos da história da música popular brasileira, gravado por importantes músicos e compositores da fase de sedimentação do samba no Rio de Janeiro. 


Esse Donga, que provocava tanta admiração no severo Almirante, nasceu Ernesto Joaquim Maria dos Santos, no Rio de Janeiro, a 5 de abril de 1889, filho de pai pedreiro e tocador de bombardino, com a famosa Tia Amélia, do grupo das baianas da Cidade Nova, cantadeira de modinhas, festeira e mãe-de-santo.

Desde menino frequentava a casa de Tia Sadata, no bairro da Saúde, onde desfilou no Rancho Dois de Ouro como "porta-machado", figurante que abria o desfile brandindo um pequeno machado, em uma dança parecida com a capoeira. Passou a infância entre ex-escravos e negros baianos, dos quais aprendeu o jongo, o afoxé e outras danças populares que serviriam de base para sua carreira musical.

Começou a tocar cavaquinho, de ouvido, e passou para o violão em 1917, tomando aulas com o grande Quincas Laranjeiras. Iniciou-se na composição - Olhar de Santa e Teus Olhos Dizem tudo (que anos depois teria letra de David Nasser) são dessa época quando já era freqüentador das reuniões na casa de Tia Ciata, ao lado de Bucy Moreira, João da Baiana, Pixinguinha, Sinhô, Caninha e outros.

Em tais reuniões nasce Pelo Telefone, que Donga registra como seu na Biblioteca Nacional, contestado pelo grupo que considerava a criação de caráter coletivo, por ser oriunda de partido-alto, em que todos improvisavam versos. Influenciado por João Pernambuco, Donga faz parte do Grupo de Caxangá com o nome de guerra de Zé Vicente e, em 1919, convidado por Pixinguinha, integra o conjunto Oito Batutas, de importância fundamental na história da música brasileira, estreando na sala de espera do cinema Palais.

Em janeiro de 1922 os Batutas se apresentam durante seis meses em Paris com o nome de "Les Batutas". Ao retornar, o grupo atua ainda na Argentina, onde grava uma série de discos na Victor daquele país, antes de dissolver-se. Donga passa a tocar violão-banjo, influência trazida da Europa, e em 1926 integra o grupo Carlito Jazz para acompanhar a companhia francesa de revistas Ba-Ta-Clan, que se exibia no Rio de Janeiro. Com esse conjunto viaja outra vez à Europa e voltando em 1928 cria com Pixinguinha a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, eminentemente dançante responsável por gravações no selo Parlophon, da Odeon.

Em 1932 atua nos grupos Guarda Velha e Diabos do Céu, formados por Pixinguinha para gravações. Nesse mesmo ano casa-se com a cantora Zaíra de Oliveira, com quem viveu até a morte desta em 1951. Em 1940 participa com composições suas da famosa gravaçao a bordo do navio Uruguai, feita por Leopold Stokowski, que colhia músicas sul-americanas para uma série de discos lançados nos Estados Unidos pela Columbia. Suas criações mais conhecidas - além de Pelo telefone - são Passarinho bateu asas, Bambo de bambu, Cantiga de festa, Macumba de Oxóssi, Macumba de Iansã, Seu Mané Luís e Ranchinho Desfeito. Casou novamente em 1953 e morreu em 1974, no bairro de Aldeia Campista, para onde se retirou como oficial de Justiça aposentado.


Fonte: História do Samba - Ed.Globo.