sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Falando de samba

Muitos dos nossos musicólogos e folcloristas, quando falam do samba carioca, música que, queiram ou não, é a mais difundida, mais amada e mais bela do Brasil, perdem-se numa desconcertante série de afirmativas não se sabe onde encontradas, tirando delas conclusões as mais levianas. Raras as exceções.

De origem africana, o samba, também chamado primitivamente "baiano", sofreu, desde sua implantação no Brasil, múltiplas transformações.

A música dos brancos, música religiosa, a ópera e a opereta (a primeira trazendo contribuição italiana, a segunda, a marca vienense), mais as cançonetas francesas (no princípio do século, em grande voga entre nós), a valsa, a polca, o shottisch, a mazurca, a quadrilha, todos esses elementos, e muitos outros, fizeram a amálgama que é o samba dos nossos dias.

O berço do samba atual é a cidade do Rio de Janeiro. Depois de uma época em que o tanguinho brasileiro era nome e disfarce para autêntica música nossa, depois do maxixe, fundindo toda a beleza e musicalidade de um ao buliçoso e brejeirice do outro, surgiu o samba.

O samba é um só. Os amantes de classificações mais ou menos arbitrárias falam de samba de morro, como o da primeira fase, samba da cidade, segunda etapa, esquecendo-se de que a subida ao morro, das populações da cidade, por motivos único e exclusivamente econômicos, só se deu depois do aparecimento "oficial" do primeiro samba, com partitura impressa e gravado em disco fonográfico comercial: o famoso Pelo telefone, de Ernesto dos Santos (Donga), em 1917, samba da cidade.

Por outro lado, as chamadas escolas de samba, também apontadas como precursoras, são ainda mais recentes, a primeira delas sendo fundada em 1923, no Estácio de Sá, bairro que fica no centro da cidade (Escola de Samba Deixa eu Falar).

Noel Rosa, simplificando a questão, disse, em uma de suas peças mais conhecidas, que "o samba nasce é do coração". Imagem de poeta. Mas a verdade é que o samba nasce onde se encontra um sambista; no morro, nos subúrbios distantes, na avenida Rio Branco, num apartamento no Catete, num café da Lapa ou em qualquer outro lugar. Sambista é o que tem a "bossa", palavra criada por eles e que significa musicalidade, ritmo, poesia e espírito carioca.

Alfabetizados ou não, têm saído deles as obras primas de um vasto cancioneiro popular, ao lado dos tanguinhos de Nazareth, das canções de Chiquinha Gonzaga, das valsas de Eduardo Souto, dos choros de Calado, Anacleto Medeiros e Pixinguinha.

Um pouco da história do samba

Depois do aparecimento de Pelo telefone, surgiriam as primeiras produções de João Barbosa da Silva, o Sinhô. Tipo autêntico de carioca, mulato contador de vantagens, gabola e valente, gaforinha desarrumada, pianista das gafieiras, amigo de políticos importantes, tipo querido e respeitado dentro da classe a que pertencia, Sinhô foi um grande artista. Tocando todos os instrumentos, o piano e o violão, bem como diversos outros de sopro, suas músicas tinham uma espontaneidade e um frescor raramente atingidos por outros. Seus versos, apesar das imagens rebuscadas e pernósticas, traziam a marca do dono e uma invejável poesia, primitiva e autêntica.

Peças como Jura, Cansei, A medida do Senhor Bonfim, A favela vai abaixo, Sabiá etc. são, ainda hoje, das melhores produzidas pela lira popular carioca. Malandro sabido, não tinha escrúpulos em se apropriar de certos refrões alheios, mas sempre melhorando-os e dando-lhes o sopro de sua personalidade. É dele a frase que ficou célebre: "Samba é como passarinho, de quem pegar..."

Rival de Sinhô, José de Luis de Morais, o Caninha, celebrizou-se com peças como Ó que vizinha danada e, mais recentemente, com É batucada. Com mais de oitenta anos de idade, Caninha ainda compõe sambas e freqüenta as rodas boêmias dos subúrbios cariocas.

José Francisco de Freitas foi outro valor da época. Dorinha, meu amor e Zizinha são pontos altos de sua produção numerosa. Também merece menção especial o compositor Luis Nunes Sampaio, o Careca, autor de Chuva não mata ninguém e do famoso Ai, seu Mé!

Tem se especializado no choro, gênero eminentemente instrumental, Alfredo da Rocha Viana (o Pixinguinha), talvez o nosso maior músico popular de todas as épocas, também produziu alguns sambas dos melhores: Samba de negro, Promessa e Festa de branco. Sua obra como chorão, orquestrador e regente é das maiores.

Outro que se especializou mais nas valsas e canções, o maestro Eduardo Souto, autor de Despertar da montanha, das valsas que celebram as quatro estações do ano, de quando em vez compunha sambas de sucesso, como é o caso de Tatu subiu no pau.

Mais recentes são os sambistas Ismael Silva que, com seu parceiro Nilton Bastos, fornecia o repertório principal dos cantores Francisco Alves e Mário Reis; João da Baiana, especialista nos corimas afro-brasileiros, mas autor de sambas como Cabide de molambo; Cícero de Almeida - O Baiano, Mário Travassos de Araújo, Walfrido Silva, Gadé, Leonel Azevedo, J. Cascata, Almirante, também cantor e hoje um dos melhores conhecedores da nossa música popular, Alcebíades Barcelos, Antonio Vieira Marçal, etc.

Os legendários

Ao lado desses, muitos outros faziam seus sambas sem procurar o disco e a celebridade, raramente abandonando os seus subúrbios ou os seus morros, funcionando nas suas próprias festas e entre seu adeptos. Gradim, Canuto, Brancura, Baiaco e, principalmente, Agenor de Oliveira — o Cartola, são os mais notáveis. Raramente gravaram discos e, quando isso acontecia, muitas vezes suas composições saíam com nomes de outros autores. Todos sempre foram, no entretanto, figuras das mais respeitadas entre seus pares.

Noel e Ari

Não esqueçamos, porém, os dois maiores compositores populares da segunda geração que são, indubitavelmente, Noel Rosa e Ari Barroso.

Nascido no dia 11 de dezembro de 1910, Noel Rosa pertencia à tradicional família carioca. Na casa modesta da rua Teodoro da Silva, nasceu, viveu e morreu. Vila Isabel foi a sua paixão, que cantou em mais de um samba inspirado. Chegando a freqüentar o segundo ano de medicina, com cultura acima do comum dos sambistas, era exímio no versejar, improvisando com facilidade espantosa. Violinista e boêmio, logo abandonou os estudos, passando a dedicar sua vida à música popular. Embora contando com diversos parceiros, era ele próprio um melodista dos melhores e não um simples letrista, como querem alguns. Várias de suas peças (letra e música) são verdadeiros clássicos do samba, como Até amanhã, Palpite infeliz, Silêncio de um minuto, Com que roupa? e muitos outros. Com Vadico, seu principal parceiro compôs Feitiço da Vila, Feitio de oração e mais cerca de oito números. Noel Rosa é, até hoje, um dos compositores mais amados pelo público de todo o Brasil e suas músicas são das mais gravadas e regravadas pelas nossas fábricas de disco.

Mineiro de Ubá, Ari Barroso é verdadeiro talento. Bacharel em direito, jornalista e ex-político militante, além de radialista dos mais populares, foi como compositor que seu nome se tornou imorredouro. Começando num estilo que lembrava o de Sinhô, com peças como Vou à Penha e Amizade, logo encontrou o seu próprio rumo a partir de Faceira, samba que já traz a marca inconfundível do seu autor. Algumas centenas de músicas constituem sua bagagem autoral, sendo que muitas delas — como Maria, Rancho fundo, Morena Boca de Ouro e, principalmente Aquarela do Brasil — são bastante conhecidas no mundo inteiro, levando o nome de Ari Barroso por todos os cinco continentes e sua música aonde quer que haja uma vitrola ou uma estação de rádio. De inspiração inesgotável, continua a produzir jóias musicais que são disputadas por intérpretes e editores.

Outros compositores

Impossível citar, no espaço limitado de um simples artigo, todos os compositores de mérito que têm cultivado o samba. Mas convém não esquecer Henrique Vogeler — autor de Ai, ioiô, Lamartine Babo — o rei da marchinha carnavalesca mas também sambista, Nássara, Geraldo Pereira, Bucy Moreira, Paulo da Portela, Custódio Mesquita, Evaldo Rui, Romualdo Peixoto, Francisco Matoso, Haroldo Barbosa, João de Barro, Bonfiglio de Oliveira, Jararaca, Vicente Paiva e os novíssimos Billy Blanco, Monsueto e Antonio Carlos Jobim (Tom).

O samba, de novo

Houve época em que o samba foi relegado a um segundo plano, não pelo povo, mas pelas estações de rádio e pelos fabricantes de discos, que se deixavam levar por compositores do chamado samba-slow, sem ritmo e sem características e influenciados pelos boleros e pelos mambos. Mas felizmente, tudo isso passou. O samba voltou a se apresentar com toda a sua grandeza, com seus tamborins e seus surdos, seus pandeiros e seus ganzás, para a alegria de um povo que tem na sua música popular um dos índices mais positivos de sua força e sua personalidade.

Fonte: "Falando de samba". Revista Esso. Rio de Janeiro, fevereiro de 1957. Não foi possível identificar o nome do autor.

O Rio revive nas marchinhas

Havia uma garota, em 1942, cujo beijo era uma bomba de Stuka. Havia uma outra, em 1937, a Sebastiana, que, debaixo de um abraço, só se sentia carne, não se sentia osso. Só não havia pelo menos em 1955, uma Miss Brasil crioula do Morro da Favela - porque, se houvesse seu Joaquim apoiava ela.

Marchinha é a maneira mais bem-humorada de se conhecer a história do Rio de Janeiro na primeira metade do século passado e a gravadora Revivendo, com o lançamento de mais três CDs, chega ao número 22, mais de 450 músicas, da série Carnaval, sua história, sua glória. Um flagrante sonoro irretocável da famosa - ''é ou não é, piada de salão?'' - alma carioca das ruas.

Stuka, do beijo, era um avião militar alemão de mergulho na marchinha Dona Santa não é santa, de Humberto Teixeira. Mostrava que, pelo menos no início de 42, a guerra vista do Rio ainda despertava o riso. Sebastiana, dos irmãos Valença, curtia nonsense puro mas revelava que magricelas já não tinham vez.

Miss Criôla, de Arnô Provenzano e O. Lopes, pegava carona num dos grandes assuntos do final de 1954, o segundo lugar de Marta Rocha no Miss Universo. Mostra que o vocabulário politicamente correto, ao contrário das polegadas a mais, não estava na moda.

Beatles - As marchinhas eram pequenas reportagens, sempre divertidas, quase sempre esculhambativas, críticas, dos acontecimentos do ano anterior. Cabeleira do Zezé (Roberto Faissal e João Roberto Kelly) comentava no carnaval de 1964, o estouro cabeludo dos Beatles em 1963 com I wanna hold your hand. Gegê, de Eduardo Souto, quando falava que ''o seu pedido já foi, meu bem, despachado'', fazia caricatura da distribuição de empregos por Getúlio Vargas.

As músicas são apresentadas em suas gravações originais, com ótima qualidade de som, e revelam uma enorme quantidade de clássicos da MPB produzidos especialmente para o carnaval. Fala Mangueira, de 1956, samba de Mirabeau e Milton de Oliveira, com Ângela Maria, está entre as melhores que cantam o morro carioca. Confete, de 1952, de J. Júnior é uma das mais clássicas, e a última, para o carnaval, de Francisco Alves.

As faixas dos novos CDs obedecem ao mesmo critério de seleção dos outros discos da coleção. Sucessos fundamentais da festa, como Odete, de 1944, com o Trio de Ouro (atenção para o apito de Herivelto Martins e o solo de Dalva de Oliveira), e Implorar, de 1935 (atenção para o arranjo de Pixinguinha e a voz sem breque de Moreira da Silva) cruzam com marchas, sambas e frevos que não tiveram qualquer destaque nas ruas e salões - mas são saborosíssimos.

Em Bairros de Pequim, de 1948, aprende-se, por exemplo, que ''Existem em Pequim/ dois bairros, Fu e Lu/ que nem aqui no nosso/ São Cristóvão e Grajaú''. A polícia recolheu o compacto (do outro lado havia a catita Comprei um Buda) por temer que os foliões incluíssem palavras que não constassem da letra original. Deliciosa também era a O soro e os velhinhos, marcha de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, de 1950. O laboratório Pfizer, que hoje produz o Viagra, podia muito bem adotá-la como jingle: ''O soro vai ser um maná/ Os velhos velhinhos/ Vão ser outra vez brotinhos''.

Carnaval, sua história, sua glória é ainda uma boa oportunidade para se reencontrar grandes intérpretes esquecidos da MPB. No volume 20, Jorge Veiga, o caricaturista do samba, dá o tradicional show de malícia e divisão rítmica em Eu quero rosetar (''Por um carinho seu minha cabrocha/ Eu vou até a Irajá'').

No volume 21, com A hora é boa, o Bando da Lua revela o pique e alto astral que fariam Carmen Miranda convidá-los para longa temporada nos Estados Unidos. Na letra, Aloysio de Oliveira dá uma de Guimarães Rosa e inventa palavra sem qualquer sentido hoje e, segundo os estudiosos, na época também: ''A hora é boa/ pra virar pangaio/ no meio desse povaréu''.

Protesto - No volume 22, Blecaute, com voz personalíssima, faz o protesto social de Pedreiro Waldemar, de 1949, o mesmo ano em que apresentou a divertida General da banda: ''O Waldemar que é mestre no ofício/ constrói um edifício e depois não pode entrar''.

As marchinhas desapareceram com a popularização dos sambas de enredo no final dos anos 60 e hoje, com a decadência deste gênero também, o Monobloco precisou sair pelas ruas do Jardim Botânico no domingo animado pelo repertório pop de Raul Seixas. A cidade, sem chororô nostálgico, mudou e descobriu outros prazeres. Veja as fotos de carnaval na Rio Branco de Marcel Gautherot, em exposição no Instituto Moreira Salles, e ouça os divertidos documentos históricos, essência da carioquice, que são os CDs de Carnaval, sua história, sua glória.

Na mais antiga faixa dos três discos, Dondoca, de 1927, exalta-se como padrão de beleza a mulher de carnes moles. ''Não treme tanto a gelatina/ que o caldo entorna na terrina'', canta Gomes Júnior. Setenta e cinco anos antes das gatas musculosas do Monobloco cantava-se - e é preciso reverenciá-la para sempre na memória - o rebolar maravilha da mulher gelatina.

por: Joaquim Ferreira dos Santos

Fontes: Jornal do Brasil de 29.01.2002; Carnaval, sua história, sua glória, volumes 20, 21 e 22 - Revivendo (www.revivendomusicas.com.br);
http://www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0201/1116.html.

Ana Lúcia


Cantora catarinense revelada em São Paulo na era da bossa nova, Ana Lúcia era puro romantismo e balanço cool no seu primeiro Lp, gravado na extinta Chantecler em 1959.

Em sua carreira que foi mais constante até 1964, quando abandonou tudo para casar-se, gravou apenas três Lps, deixando para sempre sua marca na MPB, sendo idolatrada pelos fãs da bossa que pagam fortunas nos sebos por seus velhos vinis.

Neste disco, há clássicos da MPB, como O que tinha de ser, Cheiro de saudade, Da cor do pecado, entre outras menos conhecidas e não menos interessantes. Os arranjos são de Guerra Peixe, Elcio Álvares, Rafael Puglielli e do mestre Johnny Alf. Trata-se de uma relíquia a ser guardada em lugar especial na estante de discos.(Rodrigo Faour)

Ana Lúcia - COLEÇÃO AS DIVAS

FAIXAS:

01.Cheiro de saudade
02.O que tinha de ser
03.Esquecendo você
04.Destinos
05.Nada no meu coração
06.Tema do adeus
07.Chicote
08.Da cor do pecado
09.Mundo mau
10.A outra face
11.O tempo e o vento
12.Amar não é brinquedo

Fazem parte desta obra, os compositores Djalma Ferreira, Luiz Antônio, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Herve Cordovil, Salathiel Coelho, Ribeiro Filho, Nelson Figueiredo, Bororó, Sidney Moraes, Henrique Lobo, Johnny Alf...