sábado, 2 de outubro de 2010

Vão acabar com a Praça Onze

A Praça Onze do Rio de Janeiro ou a original Praça 11 de Junho (data da Batalha de Riachuelo) existiu por mais de 150 anos até a década de 1940 e era delimitada pelas ruas de Santana (a leste), Marquês de Pombal (a oeste), Senador Euzébio (ao norte) e Visconde de Itaúna (ao sul). A princípio denominada de "Largo do Rocio Pequeno", tornou-se nas primeiras décadas do século XX, um dos locais mais cosmopolitas da então Capital Federal, ao abrigar famílias de imigrantes recém desembarcados.

As etnias mais populares no entorno da Praça Onze eram os negros (na maioria oriundos da Bahia), seguidos pelos judeus de várias procedências. Portugueses, espanhóis e italianos também eram numerosos.

E foram os negros que transformaram a Praça Onze em reduto de sambistas. As famosas tias baianas, como Tia Ciata, até hoje são lembradas nos desfiles das escolas de samba, representadas pela ala das baianas, quesito obrigatório nas apresentações carnavalescas. A Praça Onze foi o primeiro espaço para os desfiles das escolas de samba.

Porém, o progresso do período pós-guerra trouxe a modernização do centro da cidade e, para desespero dos sambistas, em 1941, a prefeitura local iniciou a demolição da Praça Onze para a abertura da Avenida Presidente Vargas.


Hoje em dia, nada mais resta da praça e de sua vida boêmia, desaparecida com a abertura da Avenida Presidente Vargas. O chafariz, desterrado para o Alto da Boa Vista, é a lembrança silenciosa de um momento único em um local excepcional, que reuniu as condições para que artistas humildes, conhecidos e anônimos, criassem e legassem ao país, aquele que é um dos pilares da cultura e identidade nacionais: o samba.

Antecedentes históricos

A região onde mais tarde existiria a Praça Onze era desabitada até o final do século XVIII, sendo terras inadequadas à lavoura e à edificação por se tratar de uma zona pantanosa. Foi somente após a chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro e a sua instalação no Paço de São Cristóvão que as primeiras estradas de acesso àquela área foram construidas. Em 1810, por ordem d'El Rey D. João VI, foi criada a "Cidade Nova", que ia do Campo de Santana até São Cristovão. Com ruas retilíneas e extensos lotes, muito se diferenciava da área central, congestionada de casas em lotes estreitos. Na mesma ocasião, o rei criou uma praça onde começava o Mangue de São Diogo: o Largo do Rocio Pequeno.

Apesar de ser a única praça de comércio da Cidade Nova, o Rocio Pequeno continuou quase deserto. Foi somente em 1842, já durante o Segundo Reinado que o local voltou a receber a atenção das autoridades municipais. Um chafariz em cantaria, de estilo neoclássico, projeto de Grandjean de Montigny, foi instalado no centro do largo, servindo para o abastecimento das casas e estabelecimentos do entorno.

No ano de 1854, com a construção e inauguração da Fábrica de Gás, o Visconde de Mauá percebeu a necessidade de canalização do mangue, saneando o caminho até a Baía de Guanabara, bem como possibilitando um sistema hidroviário ligando o subúrbio ao Centro. Em 1858, o mesmo Mauá inaugurava a Estrada de Ferro Dom Pedro II, que cortava a Cidade Nova, ligando-a a vários subúrbios e ao interior da província.

Com a eclosão da Guerra do Paraguai uma onda de nacionalismo tomou conta do Império. Com a vitória brasileira na Batalha do Riachuelo, o Largo do Rocio Pequeno foi rebatizado com a data do confronto. Foi também nesta época, com o declínio do sistema escravagista, que a Praça 11 de Junho passou a ser um bom destino para os imigrantes, pela proximidade com o porto e pelo comércio variado.

A presença cultural africana

Com a Abolição, grandes massas de ex-escravos se instalaram nas precárias "casas de cômodos" que abundavam nas ruas adjacentes à Praça Onze. Em breve, com os espaços esgotados, estes mesmos negros passaram a habitar casebres improvisados nas encostas dos morros. Um destes promontórios próximos à Praça Onze foi batizado de "Morro da Favela" por soldados regressados da Guerra de Canudos e deu origem à denominação hodierna e internacional dos agrupamentos miseráveis urbanos.

No raiar do século XX, a Praça Onze era o reduto por excelência dos negros cariocas. Das batucadas trazidas pelos negros baianos, misturadas ao lundu do Rio de Janeiro, nasceu o samba. Estudiosos e contemporâneos daqueles tempos são unânimes ao apontar a mítica "Casa da Tia Ciata" como o local onde o ritmo foi moldado.

Tia Ciata foi a maior conhecedora de músicas e ritmos africanos daquela comunidade, de onde saíram sambas históricos e compositores de talento. Em 1926, depois de longa perseguição policial, alguns compositores locais fundaram uma "escola de samba", nome eufêmico de uma assossiação recreativa sem ser, na verdade, de fins educacionais. A primeira foi a "Deixa Fallar", cuja divisão, anos depois resultaria em várias outras escolas, como a Estácio de Sá, Mangueira e Portela. Em 1933, o prefeito Pedro Ernesto organizou o primeiro desfile oficial de Escolas de Samba na Praça Onze, do qual a Mangueira sairia vencedora. Os desfiles passaram a ser anuais, com grande afluência do público.

O bairro judeu

A Praça Onze foi também a maior concentração judaica da história do Rio de Janeiro. Os imigrantes judeus escolheram a Praça Onze pois a configuração das casas na região, com espaço para lojas no térreo e residências nos andares superiores, era perfeita para o comércio. Centenas de estabelecimentos judaicos, bem como clubes, grêmios políticos e sinagogas se instalaram na área, dando à Praça Onze ares de "gueto" europeu.

O fim da Praça Onze

Na década de 1930 a Prefeitura do Distrito Federal planejou obras de modernização da região, o que incluia a construção de uma nova artéria rodoviária que melhorasse o acesso do Centro à Zona Norte. Com isso, a Praça Onze foi condenada à morte. Pelo projeto, os quarteirões entre as ruas Senador Eusébio e Visconde de Itaúna seriam demolidos para a abertura da nova Avenida Presidente Vargas. Em 1941 começaram as demolições, que desalojaram centenas de famílias e que acabariam por derrubar 525 prédios, entre eles algumas construções históricas, como as igrejas de São Pedro dos Clérigos e de São Joaquim.

O ator Grande Otelo teve a idéia de protestar em ritmo de samba. Ele levou uma letra para os compositores Max Bulhões, Wilson Batista e Herivelto Martins, sem lhes despertar o menor interesse. Mas Otelo era teimoso e Herivelto, para se livrar dele, compôs o samba em que aproveitou a idéia, desprezando os versos. Acontece que a composição – anunciando o fim da praça e dos desfiles e, de uma maneira comovente, exortando os sambistas a guardarem os seus pandeiros - superou as expectativas do autor, sugerindo-lhe uma gravação diferente, em que se reproduzisse o clima de uma escola de samba. E assim ele fez, tendo a novidade se tornado padrão para a execução de sambas do gênero. Além do canto, no estilo "empolgação", a cargo do Trio de Ouro reforçado por Castro Barbosa, foi primordial para que se estabelecesse tal clima o uso destacado de três elementos rítmicos - o tamborim, o apito e o surdo. Até então, o apito era usado nas escolas de samba somente como elemento sinalizador, para comandar o desfile. Sua função rítmica, sibilando em tempo de samba, foi uma invenção de Herivelto, lançada nesta gravação.

Por tudo isso, "Praça Onze" alcançou extraordinário sucesso, ganhando, ao lado de "Ai Que Saudades da Amélia", o concurso de sambas promovido pelo jornal "O Fluminense":

Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai

Adeus, minha Praça Onze, adeus
Já sabemos que vais desaparecer
Leva contigo a nossa recordação
Mas ficarás eternamente em nosso coração
E algum dia nova praça nós teremos
E o teu passado cantaremos

Fontes: Wikipédia; http://sambaprimeira.blogspot.com.

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