segunda-feira, 17 de abril de 2006

Chega de saudade


Embora considerada o marco zero da bossa nova, “Chega de Saudade” não é na opinião de Tom Jobim uma composição bossa nova. Em depoimento ao jornalista Tárik de Souza (para o livro Tons sobre Tom), ele esclareceu:

“Minha mãe criou uma menina, que também se chamava Nilza (nome da mãe do Tom) e me pediu para comprar um método de violão para ela, que tinha boa voz. Comprei o método do Canhoto que trazia (...) aquele sistema antigo (de acordes) primeira, segunda, terceira. (...)


Fui obrigado a explicar para ela naquele método (...) e acabei me envolvendo com aquela seqüência de acordes, completamente fáceis. Inventei uma sucessão de acordes, que é a coisa mais clássica do mundo, e botei ali uma melodia.

Mais tarde, Vinícius colocou a letra. De certa forma, sentindo a novidade da bossa nova, do João Gilberto e daquele meio em que a gente vivia, talvez Vinicius tenha sido levado a intitular a música ‘Chega de Saudade’. (...) Esse título é engraçado porque a música tem algo de saudade desde a introdução. Lembra aquelas introduções de conjuntos de violão e cavaquinho, tipo regional. (...).

Na segunda parte, passa para maior (modo maior). Acontecem todas aquelas modulações clássicas que você encontra na música antiga. Isso cria um absurdo: o ‘Chega de saudade’ já é uma saudade jogando fora a saudade!”.

Tom Jobim
Realmente, a bossa nova de “Chega de Saudade” está quase toda na harmonia, nos acordes alterados, pouco utilizados por nossos músicos da época, e na nova batida de violão executada por João Gilberto. A novidade rítmica fica muito clara, especialmente sob os versos “dentro dos meus braços os abraços / hão de ser milhões de abraços / apertado assim...”, com o violão indo na contramão da forma institucionalizada de se tocar samba. Aliás, a inovação já está presente na gravação de Elizeth Cardoso, a primeira de “Chega de Saudade”, feita para o elepê Canção do amor demais, que tem a participação de João Gilberto como violonista.

Esse disco, lançado pela pequena marca Festa, do produtor Irineu Garcia, é considerado por Tom Jobim (em depoimento a Zuza Homem de Mello, em outubro de 68) “um marco, um ponto de fissão, de quebra com o passado”. No dia 10.7.58, seis meses depois da gravação da Elizeth, aconteceu a do João, naturalmente repetindo a mesma batida de violão e apresentando o seu estilo bossa nova de cantar.

Este disco histórico, que traz na outra face o baiãozinho “Bim-Bom” (classificado no selo como samba), provocaria a pitoresca e mal-humorada reação de Álvaro Ramos, gerente das Lojas Assunção, quebrando o disco, indignado com o que o Rio lhe mandava. Atribuída no anedotário da bossa nova a Osvaldo Gurzoni, diretor de vendas da Odeon em São Paulo (que também não gostara do disco), a verdadeira identidade do autor da façanha (Ramos) seria revelada por Ruy Castro no livro Chega de saudade. Esse episódio aconteceu em São Paulo, em agosto de 58, às vésperas do lançamento do disco de 78 rotações, que precedeu em alguns meses o elepê homônimo.

Chega de saudade (bossa nova, 1958) - Tom Jobim e Vinícius de Moraes - Interpretação: João Gilberto

LP Chega De Saudade / Título da música: Chega de Saudade / Tom Jobim (Compositor) / Vinícius de Moraes (Compositor) / João Gilberto (Intérprete) / Gravadora: Odeon / Ano: 1959 / Nº Álbum: MOFB 3073 / Lado A / Faixa 1 / Gênero musical: Samba / Bossa Nova.

Dm7           Bº           Bbm6
Vai minha tristeza e diz a ela
        Dm7          A7
Que sem ela não pode ser
Dm7     E7   Am7             Bb7
Diz-lhe numa prece que ela regresse
              A7           A7/5+
Porque eu não posso mais sofrer
Dm7         Bº
Chega de saudade,
       Bbm6           Am6        D7/9-
A realidade é que sem ela não há paz,
         Gm7     A7     Dm7
Não há beleza, é só tristeza
                       Bº
e a melancolia que não sai de mim
    Bbm6            Dm7   Em7  A7
Não sai de mim, não sai

D7+           E7
Mas se ela voltar, se ela voltar,
          G/A   A7          D7+
Qua coisa linda,  que coisa louca
                 Fº         Em7
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
             E7                         Bbm6  A7
Do que os beijinhos que eu darei na sua bo .. ca

D7+             E7         F#7
Dentro dos meus braços os abraços
       Bm7   Bbm7       Am7
hão de ser milhões de abraços
D9  G7+           Gm7           F#m7
Apertado assim, calado assim, colado assim
 Fº          E7         A7             F#7
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
            B7/5+           E7
Que é prá acabar com esse negócio
     A7           D7+/9
de você viver sem mim


Fonte: A Canção no Tempo - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Vol.2 - 1958-1985.

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