segunda-feira, 17 de julho de 2006

Águas de março


Baseado numa ideia de Sérgio Ricardo, O Pasquim lançou em maio de 72, com um show no Teatro da Praia, a novidade do “Disco de Bolso”, um compacto simples que apresentava duas músicas, sendo uma de um compositor consagrado e a outra de um iniciante.

Convidados por Sérgio, participaram do disco inaugural Antônio Carlos Jobim, com “Águas de Março”, e João Bosco, em parceria com Aldir Blanc, com “Agnus Sei”. Teria assim um lançamento diferente essa importante composição de Jobim que, ao lado de “Matita Perê”, prenuncia uma intensificação em sua obra do uso de temas ligados à natureza.


Aparentemente simples, “Águas de Março” possui na realidade uma estrutura sofisticada, extremamente trabalhada, que a distingue como uma das composições mais inteligentes da música brasileira. Essa estrutura apoia uma melodia caracterizada pela obstinada repetição de uma pequena célula rítmico-melódica, construída basicamente com duas notas (a terceira e a fundamental do acorde de tônica), harmonizada por um encadeamento de quatro acordes, com o uso de inversões e outras diferenças sutis — e é neste ponto que se situa a parte mais rica da criação de Jobim — que se resolve invariavelmente no acorde de tônica a cada final de frase, ou seja, de quatro em quatro compassos, nada menos que 18 vezes durante toda a peça.

Com a troca de acordes, as mesmas notas, sempre repetidas, vão adquirindo colorido renovado, soando como se fossem notas diferentes, enquanto os referidos acordes acabam por se fixar de tal maneira que, ao se cantarolar “Águas de Março”, eles vêm intuitivamente à imaginação, por meio de nosso ouvido interno.

Essa sofisticação se estende à letra, talvez a melhor entre todas que Jobim escreveu. Em dezenas de versos incisivos, diretos, quase sem adjetivação, o poema passa impressões sobre um final de verão no campo, enunciando minuciosamente os componentes da paisagem, encharcada pelas águas de março.

O curioso é que esses dados são transmitidos de forma independente, como frações de um quadro, que o ouvinte ajuntará ao seu gosto: “É pau, é pedra / é o fim do caminho / é um resto de toco / é um pouco sozinho / (...) / é um passo, é uma ponte / é o sapo, é uma rã / é um belo horizonte / é uma febre terçã / são as águas de março / fechando o verão / é a promessa de vida / no teu coração...”

Esta paisagem é a de uma propriedade do compositor, na localidade de Poço Fundo, no estado do Rio, onde ele costumava passar fins de semana. Foi lá que nasceu, em março de 72, “Águas de Março”, numa casinha de pau-a-pique, apelidada de Barraco 2, na qual Tom morou ao tempo em que sua casa maior era construída. Na ocasião, segundo Helena Jobim (no livro Um homem iluminado), “ele trabalhava obsessivamente em ‘Matita Perê’. Subitamente, surgiu em sua cabeça um tema novo. Teresa, sua mulher, ouviu, meio dormindo e disse que o tema era lindo. Então, ele pediu uma folha de papel e, não achando no momento nada melhor, ela lhe deu um papel de embrulho do pão” no qual foi registrada a idéia inicial da canção.

Naturalmente, Tom conhecia o poema “O Caçador de Esmeraldas” de Olavo Bilac, que cita as chuvas de março: “Foi em março, ao findar da chuva, quase à entrada / do outono, quando a terra em sede requeimada / bebera longamente as águas da estação...” Mas, enquanto nos versos de Bilac as águas de março são citadas de passagem (por molharem a terra de onde “Fernão Dias Paes Leme entrou pelo sertão”), nos de Jobim são o próprio tema da composição. Entre dezenas de gravações de “Águas de Março”, destacam-se as duas de Elis Regina, a de João Gilberto e a do próprio Tom Jobim com a Banda Nova.
Águas de Março (1972) - Tom Jobim - Intérpretes: Elis Regina e Tom Jobim

LP Elis & Tom - Elis Regina e Tom Jobim / Título da música: Águas de Março / Tom Jobim (Compositor) / Elis Regina (Intérprete) / Tom Jobim (Intérprete) / Gravadora: Philips / Ano: 1974 / Nº Álbum: 6349 112 / Lado A / Faixa 1 / Gênero musical: Samba / Bossa Nova / MPB.


Tom: B

(Intro: B/A)

     B/A                           G#m6
É pau, é pedra, é o fim do caminho
Em7+/G             F#6
É um resto de toco, é um pouco sozinho
B7.9/F#              Db/F
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
Em6                    B7M
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
B7.9                Db/F
É peroba do campo, é o nó da madeira
Em6                B7M
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
B7.9               Db/F
É madeira de vento, tombo da ribanceira
Em6                       B7M
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
B7.9               Db/F
É o vento ventando, é o fim da ladeira
Em6            B7M
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
B7.9               Db/F
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Em6              B7M
Das águas de março, é o fim da canseira
B/A                 G#m6
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Em7+/G            F#6
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
B7.9/F#           Db/F
É uma ave no céu, é uma ave no chão
Em6                  B7M
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
B7.9               Db/F
É o fundo do poço, é o fim do caminho
Em6                 B7M
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho

B/A                       G#m6
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
Em7+/G            F#6
Um pingo pingando, uma conta um conto
B7.9/F#                Db/F
Um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
Em6                  B7M
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
B7.9               Db/F
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
Em6                  B7M
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
B7.9               Db/F
O projeto da casa, é o corpo na cama
Em6                  B7M
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
B/A                    G#m6
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
Em7+/G            F#6
É um resto de mato, na luz da manhã
B7.9/F#           Db/F
São as águas de março fechando o verão
Em6            B7M
É a promessa de vida no teu coração
B7.9/F#            E6
É uma cobra, é um pau, é João, é José
Em6                B7M
É um espinho na mão, é um corte no pé

B7.9               Db/F
São as águas de março fechando o verão
Em6            B7M
É a promessa de vida no teu coração
B/A                G#m6
É pau, é pedra, é o fim do caminho
Em7+/G             F#6
É um resto de toco, é um pouco sozinho
Bm                     C#/B
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
C#dim/B                B
É um belo horizonte, é uma febre terçã
Bm             C#/B
São as águas de março fechando o verão
C/B           B
É a promessa de vida no teu coração
B/A               G#m6
É pau, é pedra, é o fim do caminho
Em7+/G           F#6
Um resto de toco, é um pouco sozinho
B7.9/F#              Db/F
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
Em6                    B7M
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
B7.9             E6
São as águas de março fechando o verão
Em6           B7M
É a promessa de vida no teu coração
B/A                G#m6
É pau, é pedra, é o fim do caminho
Em7+/G             F#6
É um resto de toco, é um pouco sozinho
B7/F#                Db/F
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
Em6                    B7M
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
B7.9                E6
É peroba do campo, é o nó da madeira
Em6                B7M
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
B7.9               Db/F
É madeira de vento, tombo da ribanceira
Em6                     B7M
É o mistério profundo, o queira ou não queira
B7.9               E6
É o vento ventando, é o fim da ladeira
Em6            B7M
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
B7.9               Db/F
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Em6              B7M
Das águas de março, é o fim da canseira
B/A                 G#m6
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Em7+/G           F#6
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
B7/F#             Db/F
É uma ave no céu, é uma ave no chão
Em6                  B7M
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
B7.9               Db/F
É o fundo do poço, é o fim do caminho
Em6                 B7M
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho

B/A                       G#m6
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
Em7+/G             F#6
Um pingo pingando, uma conta um conto
B7/F#                  E6
Um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
Em6                 B7M
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
B7.9              Db/F
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
Em6                   B7M
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
B7.9              Db/F
O projeto da casa, é o corpo na cama
Em6                   B7M
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
B/A                  G#m6
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
Em7+/G          F#6
É um resto de mato, na luz da manhã
B7/F#            Db/F
São as águas de março fechando o verão
Em6            B7M
É a promessa de vida no teu coração
B7.9/F#            E6
É uma cobra, é um pau, é João, é José
Em6               B7M
É um espinho na mão, é um corte no pé
B7.9            Db/F
São as águas de março fechando o verão
Em6            B7M
É a promessa de vida no teu coração
B/A                  G#m6
É pau, é pedra, é o fim do caminho
Em7+/G              F#6
É um resto de toco, é um pouco sozinho
Bm                      C#/B
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
C#m7.5b/B             B
É um belo horizonte, é uma febre terçã
B/A              G#m6
São as águas de março fechando o verão
Em7+/G        F#6
É a promessa de vida no teu coração
B/A                 G#m6
É pau, é pedra, é o fim do caminho
Em7+/G           F#6
Um resto de toco, é um pouco sozinho
B7.9/F#             Db/F
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
Em6                    B7M
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
B7.9              Db/F
São as águas de março fechando o verão
Em6             B7M  B7.9/F#  Db/F  Em6
É a promessa de vida no teu coração
B7M   B7.9   Db/F   Em6
B7M   Bm7   C#/B   C/B  B
É pau é pedra


Fonte: A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34.

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