quinta-feira, 27 de abril de 2006

Pastorinhas

Braguinha
"Linda Pequena" era uma marchinha despretensiosa, que um dia saiu do anonimato para, repentinamente, tornar-se grande sucesso. A biografia dessa "Cinderela" de nossa música popular começa numa tarde, em fins de 1934, quando Braguinha propõe a Noel Rosa, numa mesa do Café Papagaio: "Noel, vamos fazer uma música com aquele ritmo das pastorinhas que desfilam em Vila Isabel na noite dos Santos Reis?" Proposta aceita, pediram lápis, papel e cafezinho e, em pouco mais de meia hora, compuseram "Linda Pequena", com a participação dos dois tanto na letra como na melodia. Pouco tempo depois, a marcha seria gravada na Odeon por João Petra de Barros.

A matriz de "Linda Pequena", não se sabe por quê, permaneceria então onze meses na "prateleira", para ser lançada em disco em novembro de 35. Não obtendo êxito, a composição chegaria ao final de 37 praticamente desconhecida, ocasião em que Braguinha resolveu lançá-la como reforço à sua produção para o carnaval seguinte. Assim, sem mexer na melodia, mas substituindo duas palavras - "moreninhas" por "pastorinhas" e "pequena" por "pastora" - e o verso "pequena que tens a cor morena" por "morena da cor de Madalena", ele daria como pronta a nova versão que Sílvio Caldas gravou com o título de "Pastorinhas", em 13.12.37. Lançada no mês seguinte, logo começou a disputar a preferência do público com outras músicas, credenciando-se como forte concorrente ao prêmio de melhor marcha do carnaval de 38.

Na noite de sexta-feira, 25.02, véspera do carnaval, realizou-se no auditório da feira de amostras o concurso, promovido pela prefeitura do Rio de Janeiro, que teve o seguinte resultado: marchas - 1°) "Touradas em Madri" (João de Barro e Alberto Ribeiro); 2°) "Pastorinhas"; 3°) "Sereia" (Alvarenga e Ranchinho); sambas - 1°) "Camisa listrada" (Assis Valente); 2°) "Olá, Seu Nicolau" (Paulo Barbosa e Osvaldo Santiago); 3°) "Juro" (Haroldo Lobo e Milton de Oliveira).

Somente por algumas horas, porém, valeria a dupla vitória de João de Barro. Já no domingo os jornais noticiavam a anulação do resultado "em virtude do não comparecimento" (ao julgamento) "do presidente da comissão nomeada no edital...". Na realidade, essa absurda alegação escondia o verdadeiro e não menos absurdo motivo da anulação: o atendimento a um recurso de alguns perdedores, que sustentavam ser "Touradas em Madri" não uma marcha, mas um paso doble, gênero musical estrangeiro, o que a incompatibilizava com o regulamento da competição.

Realizou-se então novo concurso, na tarde de segunda-feira de carnaval (28.02), quando foram eleitas as seguintes composições: marchas - 1°) "Pastorinhas"; 2°) "O Cantar do Galo" (Benedito Lacerda e Darci de Oliveira); 3°) "Ali Babá" (Roberto Roberti e Arlindo Marques Júnior); sambas - 1°) "Juro"; 2°) "Sorrir" (Alcebíades Barcelos e Armando Marçal); 3°) "Camisa Listrada". Estavam portanto "cassados" "Sereia" e "Olá, Seu Nicolau", que nada tinham a ver com a briga e, naturalmente, "Touradas em Madri". Em compensação, premiava-se "Pastorinhas", resgatada do anonimato e consagrada, a partir de então, como um autêntico clássico de nossa música popular.

Mas, a história desse concurso ficaria incompleta se se omitisse o relato de dois episódios ocorridos durante o julgamento final, que dão uma ideia do clima reinante na ocasião. Primeiro, a súbita invasão do recinto por Mário Lago, à frente de numeroso grupo de foliões, cantando "Pastorinhas" e torcendo por sua vitória; depois, um desentendimento entre Nássara e Braguinha, entrevero de pesos-pluma, imediatamente apartado pelos colegas Ary Barroso e Roberto Martins.

Nássara, autor (com Sá Roris) de "Periquitinho Verde", concorrente ignorada pela comissão julgadora, provocara Braguinha dizendo que "foi a alma de Noel que ganhou o concurso". Produto da exaltação do momento, o incidente seria logo esquecido pelos contendores, tempos depois parceiros na marcha "Sereia d'areia".

Pastorinhas (marcha/carnaval, 1938) - Noel Rosa e João de Barro - Intérprete: Sílvio Caldas

Disco 78 rpm / Título da música: Pastorinhas / João de Barro, 1907-2006 (Compositor) / Noel Rosa, 1910-1937 (Compositor) / Sílvio Caldas (Intérprete) / Napoleão e Seus Soldados Musicais (Acomp.) / Gravadora: Odeon / Gravação: 13/12/1937 / Lançamento: 01/1938 / Nº do Álbum: 11567 / Nº da Matriz: 5733 / Gênero musical: Marcha / Coleções de origem: IMS, Nirez

Tom: Em

53-52-63-6
     Em          E7            Am
A estrela D’alva /  No céu desponta
               B7
E a lua anda tonta
                 Em     E7
Com tamanho esplendor
           Am       B7            Em
E as pastorinhas / Pra consolo da lua
                Gb7
Vão cantando na rua
  B7               E     54-52-64-6
Lindos versos de amor
E
Linda pastora
   F°           Gbm    B7
Morena da cor de Madalena
            Gbm        B7
Tu não tens pena / De mim
           E
Que vivo tonto com o teu olhar
 B7       E        E7
Linda criança
                        A      Am
Tu não me sais da lembrança
                   E        Db7
Meu coração não se can.....sa
     Gb7      B7        E
De sempre, sempre te amar


Fontes: A Canção no Tempo - Vol. 1 - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34; Discografia Brasileira - IMS; Instituto Moreira Salles.

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