domingo, 9 de abril de 2006

Adoniran Barbosa


João Rubinato, que adotou o pseudônimo de Adoniran Barbosa em 1935, em homenagem aos amigos Adoniran Alves e Luís Barbosa, nasceu em Valinhos, estado de São Paulo, no dia 6 de agosto de 1910. Foi o sétimo filho de um casal de imigrantes italianos, vindos de Veneza. Ainda menino, mudou-se com a família para Jundiaí, Estado de São Paulo, onde estudou, um tanto quanto forçado, até o terceiro ano primário. Foi ainda no tempo de escola que Adoniran começou a trabalhar, ajudando o pai no carregamento de vagões da Estrada de Ferro São Paulo Railway, atual Estrada de Ferro Santos Jundiaí.


Em Jundiaí, trabalhou também como entregador de marmitas e como varredor numa fábrica de tecidos. Em 1924, por causa da Revolução, a família mudou-se para Santo André, na Grande São Paulo, onde, durante anos, Adoniran continuou sendo o faz-de-tudo: foi tecelão, pintor, encanador, serralheiro e garçom, na casa do então Ministro da Guerra, Pandiá Calógeras. Depois, fez o curso de metalúrgico ajustador, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, mas não se deu bem com a nova profissão: o esmerilhamento do ferro prejudicava-lhe os pulmões. Então, Adoniran procurou outros empregos, entre eles o de mascate, vendendo meias.

Como andava muito, Adoniran ia cantando, para encurtar as distâncias. Foi assim que se acostumou a compor andando, mas, para ele, os sambas que compunha eram apenas passatempo e não tinham qual idade nenhuma. Além de compor e cantar, Adoniran vivia batucando na caixa de fósforos. São dessa época seus sambas "Minha vida se consome", feito em parceria com Pedrinho Romano e Viriato dos Santos, e "Socorro", em parceria com Pedrinho Romano. Adoniran ainda trabalhou em loja de ferragens, em agência de automóveis e em loja de tecidos, como entregador de mercadorias. Nesse emprego, Adoniran passava obrigatoriamente pela Rádio Cruzeiro do Sul. Ali ficou conhecendo alguns artistas.

Todo sábado Adoniran participava do programa de calouros dessa Rádio e, depois de muito tentar, finalmente foi aprovado no programa de Jorge Amaral, em 1933, cantando 'Filosofia', de Noel Rosa. Sua voz pequena e rouca não era muito bem aceita numa época em que se destacavam Mário Reis e Francisco Alves. Mesmo assim, Adoniran passou a cantar num programa semanal de 15 minutos, acompanhado por conjunto regional. Cantava sambas de outros compositores mas, sendo uma espécie de 'disc jockey', sempre que possível deixava escapar um sambinha seu. Mesmo assim, continuava fazendo de tudo um pouco.

Em 1935, Adoniran ganhou o concurso carnavalesco da prefeitura de São Paulo, com a marchinha "Dona Boa", composta em parceria com Jota Aimberê. O dinheiro do prêmio, que era para comprar um paletó, foi gasto na comemoração com os amigos. "Dona Boa" foi a primeira composição de Adoniran a ser gravada, na Columbia, por Raul Torres. Nesse ano, compôs ainda, com Totó, o samba "É cedo"; com Pedrinho Romano, o samba "Teu orgulho acabou" e com J. Moura Vasconcelos, a marcha "Teu sorriso".

Adoniran trabalhou na Rádio Cruzeiro do Sul como cantor e animador de programas de discos, de 1935 a 1940, enquanto compunha. Em 1936, compôs "Agora podes chorar"; "Pra esquecer" e "Se meu balão não se queimar" com Nicolini; "Um amor que já passou", com Frazão; "Chega", com José Marcílio; e "Malandro triste", com Mario Silva. De 1937, são as composições "Adeus, escola...", em parceria com Ari Machado e Nilo Silva, "A Canoa Virou" e "Você é a melhor do mundo", com Raimundo Chaves e "Não me deu satisfações" e "Você tem um jeitinho", com Nicolini. Em 1938, aparece a composição "Mamão", feita em parceria com Paulo Noronha e Raimundo Chaves.

Adoniran e seu principal parceiro, Oswaldo Molles.


Em 1941, levado por Otávio Gabus Mendes, Adoniran foi para a Rádio Record, onde fez radioteatro numa série chamada'Serões Domingueiros'. Foi aí que conheceu Osvaldo Molles, que fazia, na mesma rádio, o programa 'Casa da Sogra' e que acabou criando para Adoniran alguns personagens que ficaram famosos na época: o malandro Zé Cunversa, o judeu de prestações Moisés Rabinovic, o galã do cinema francês Jean Rubinet - inspirado no nome de batismo de Adoniran, João Rubinato, mais o motorista italiano Perna Fina, o professor de inglês Mr. Morris, o moleque Barbosinha Mal-Educado da Silva e Charutinho, que era o mais identificado com a figura de Adoniran Barbosa.

A linguagem desses personagens populares acabou influenciando as composições de Adoniran. Conheceu, então, o conjunto Demônios da Garoa e começaram a trabalhar juntos: formaram uma bandinha para animar as torcidas, nos jogos de futebol promovidos pelos artistas de rádio do interior paulista.

Em 1945, Adoniran compôs "Grande Bahia", em parceria com Avaré, e participou do filme nacional "Pif-paf", dirigido por Ademar Gonzaga. Em 1946 participou, também sob a direção de Ademar Gonzaga, do filme "Caídos do céu", e compôs, com Armando Rosas, a marcha "Salve, oh! Gilda!" e com Ivo de Freitas, o cateretê "Tô com a cara torta". Bem-sucedido, Adoniran compôs, em 1947, o samba dor-de-cotovelo "Asa Negra", gravado por Hélio Sindô.

Em 1949, com Césio Negreiros, compôs "Marcha do Camelô". A partir de 1950 os Demônios da Garoa tornaram-se os mais constantes intérpretes de Adoniran Barbosa e seu samba "Malvina", interpretado por eles, ganhou o concurso carnavalesco de São Paulo em 1951. Ainda em 1951, Adoniran compôs, com Orlando de Barros, o samba-canção "No silêncio da noite"; com Hervé Cordovil, a marcha-rancho "Pode ir em paz"; e com Rômulo Pais e Delé, o baião "Tá moiado".

Em 1952, Adoniran participou do filme "O Cangaceiro", dirigido por Lima Barreto e rodado em Vargem Grande, que acabou recebendo prêmio em Cannes. No mesmo ano compôs, com Osvaldo França e Antonio Lopes, a marcha "Água de Pote"; com Henrique de Almeida e Rômulo Pais, a batucada "A louca chegou"; com Manezinho Araújo, o baião "Tiritica"; e com Osvaldo França, os sambas "O que foi que eu fiz?" e "Joga a chave".

Em 1953, em parceria com Osvaldo Molles e João B. dos Santos, Adoniran compôs o samba "Conselho de mulher" e, em parceria com Blota Júnior, compôs "Gol do Amor" . Em 1954, compôs "Abriu a Janela", junto com Frederico Rossini.

Em maio de 1955, os Demônios da Garoa gravaram, com grande sucesso, o samba de Adoniran "Saudosa maloca", que havia sido composto em 1951 e gravado pelo próprio Adoniran, sem, no entanto, ter alcançado alguma repercussão. Há pouco tempo, "Saudosa Maloca" teve, também, uma gravação na voz de João Bosco. Inspirado em "Saudosa Maloca", Osvaldo Molles criou, na Rádio Record, o programa "História das Malocas", onde Adoniran figurava como Charutinho. Sucesso absoluto, "História das Malocas" ficou no ar durante dez anos, de 1955 a 1965, chegando até a ser levado para a televisão.

Com Matilde e Peteleco, parceiro com quem assinou muitas de suas obras.

Ainda em 1955, Adoniran compôs "As mariposas" e, em parceria com Rômulo Pais e Jota Sandoval, compôs "Camisolão"; com Jota Nunes e Antonio Rago, "Chorei, chorei!"; com Chuvisco e Jota Nunes, "Deixa de beber"; e com Antonio Rago, "Dormiu no chão". No mesmo ano, foi gravado, pelos Demônios da Garoa, seu samba feito em parceria com Alocin, em 1951, gravado pelo próprio Adoniran, sem sucesso, naquele ano, e regravado há pouco tempo por Rita Lee, o conhecidíssimo "Samba do Arnesto".

Em 1956 Adoniran nos presenteia com as composições "Apaga o fogo Mané" e "Um samba no Bexiga" e ainda algumas parcerias, como "Arranjei outro lugá", "Por onde andará Maria?" e "Vem, morena", com Antonio Rago; "Decididamente", com Benedito Lobo e Marcolino Leite; "Garrafa cheia", com Benedito Lobo e Antonio Rago; "O legume que ele quer", com Manezinho Araujo e "Quem bate sou eu!", com Artur Bernardo. Também é de 1956 o samba "Iracema", gravado pelos Demônios da Garoa no mesmo ano e regravado, em 1974, por Adoniran Barbosa e em 1980 por Adoniran Barbosa junto com Clara Nunes, com acompanhamento de Dino, em seu violão de sete cordas. "Iracema" foi gravado também, entre outros intérpretes, por Beth Carvalho e por Jards Macalé.

O ano de 1957 traz as composições de Adoniran "Terreque, Terreque", feita em parceria com Avaré e Antonio Rago, e a belíssima "Bom dia tristeza", feita em parceria com Vinícius de Moraes, embora Adoniran e Vinícius nunca tenham se encontrado pessoalmente. "Bom-dia tristeza" foi gravada em 1957, por Araci de Almeida, e em 1958 e 1963 por Maysa. Em 1958, Adoniran compôs, em parceria com Antonio Rago e Geraldo Blota, "Dotô Vardemá"; em parceria com Osvaldo Molles, "Pafunça"; com Hilda Hilst, Adoniran compôs "Quando te achei" e com José Mendes e Arrelia, compôs "Quero casar".

Clementina de Jesus, Adoniran Barbosa, Matilde e Carlinhos Vergueiro.

Os Demônios da Garoa voltaram a fazer sucesso com a gravação, em 1958, do samba de Adoniran Barbosa "Abrigo de vagabundos". São de 1959 as composições de Adoniran "Morro da Casa Verde", "Perdoei" e, ainda, "Aqui, Gerarda" e "Juro Amor", em parceria com Ivan Moreno e Joca, e "Dor de Cotovelo" e "Sai água da minha boca", em parceria com Osvaldo Molles.

Em 1960 aparecem os sambas "Agora Vai" e "Chora na Rampa" e, com Joca e Geraldo Blota, a marcha "Bananeiro", com Hervê Cordovil o samba "Prova de carinho" e também o conhecidíssimo samba "Tiro ao álvaro", gravado por Adoniran Barbosa junto com Elis Regina, em 1980.O ano de 1962 foi fraco em composições: apenas uma, "Vem, Amor", feita em parceria com Geraldo Blota.

Em 1963, Adoniran compôs, com Edmundo Cruz, o samba "Escada da Glória" e, com Osvaldo Molles, a marcha "Segura o Apito". Em 1964, Adoniran compôs o samba "A luz da Light" e ainda o samba, lançado pelos Demônios da Garoa, que recebeu o primeiro prêmio do Carnaval no quarto centenário da fundação do Rio de Janeiro, em 1965, "Trem das onze". Aliás, "Trem das Onze" foi a primeira composição paulista a realmente sacudir os festejos carnavalescos do Rio de Janeiro. Foi revalorizado por Gal Costa num show ao vivo, em 1973, cuja gravação magnetiza o ouvinte, passando a ser um dos momentos mais empolgantes da MPB.

Com o sucesso de "Saudosa Maloca", Adoniran havia comprado um terreno em Cidade Ademar. Com o dinheiro de "Trem das Onze" construiu uma casa nesse terreno. Adoniran participou, também, de novelas de televisão e programas humorísticos da TV Record, de São Paulo, como 'Papai sabe nada' e 'Ceará contra 007'.

Continuando a compor numa linguagem que reconstituía a mistura de diferentes sotaques dos migrantes de São Paulo, Adoniran compôs, em 1965, os sambas "Eu vou pro samba", "Tocar na Banda" e "Samba Italiano", este uma sátira aos italianos. Ainda de 1965, são: "Ai, Guiomar", com Osvaldo Molles; "Já tenho a solução", com Clóvis de Lima; "Jabá Sintético", com Marcos César; "Minha Roseira", com Dedé; e "Aguenta a mão, João", com Hervê Cordovil, esta regravada pelo Grupo Fundo de Quintal, em 1990.

Gonzaguinha, Clara Nunes e Adoniran.

Em 1966 Adoniran compôs "Nunca mais faço Carnaval" e com Marcos César, compôs "Já fui uma brasa". De 1967 são os sambas "O casamento do Moacir", em parceria com Osvaldo Molles; "Chá de Cadeira", com Jucata; e "Quem é vivo sempre aparece", com Corvino. O ano de 1968 traz as composições "Mulher, patrão e cachaça", com Osvaldo Molles e "Vila Esperança", com Marcos César.

A morte de Osvaldo Molles acabou provocando um vácuo na carreira humorística de Adoniran. Mas os mais jovens gostavam de seu trabalho e ele acabou tomando outro rumo. Ficou famoso e admirado, tendo suas músicas interpretadas por grandes nomes da MPB. E continuou compondo. Em 1969, Adoniran compôs "Despejo na favela" e "Não quero entrar" e, ainda, "Comê e coçá, é só começá", com Geraldo Blota e "Não precisa muita coisa", com Benito Di Paula.

Em 1970, compôs "Bem eu quisera" e com Hervê Cordovil, compôs "Olhando pra lua". Em 1971, também com Hervê Cordovil, compôs "É fogo". Em 1972, em parceria com Rolando Boldrin, Adoniran compôs "Eu quero ver quem pode mais". Sozinho, compôs as marchas "Como vai, Dr. Peru?", "Nóis viemos aqui prá quê?", "Senta, Senta" e o samba "Acende o candieiro", regravado por Marlene em 1990.

Em 1973, finalmente, Adoniran entrou num estúdio para gravar o seu primeiro LP. Também em 1973, Adoniran compôs "O caminhão do Simão" e com Rolando Boldrin, compôs "Três heróis". Em 1974, compôs "Véspera de Natal" e, em parceria com René Luiz, "Velho Rancho". Em 1975, Adoniran gravou seu segundo LP e compôs "Vide verso meu endereço".

Em 1979, em parceria com Carlinhos Vergueiro, Adoniran compôs "Torresmo à milanesa", considerado um dos mais expressivos sambas da última fase de Adoniran. Em 1980 Adoniran gravou seu terceiro e último LP. Muitas composições suas transformaram-se em verdadeiros clássicos da MPB.

Casado com Dona Matilde, em 1942, Adoniran Barbosa não tinha filhos e teria completado 50 anos de carreira em 1983, se não tivesse morrido, na tarde de 23 de novembro de 1982, por insuficiência cardíaca, agravada por enfisema pulmonar. Seu velório foi um desconsolo total, não amenizado nem mesmo pela pinga que corria respeitosamente. Adoniran foi velado ao som de "Trem das Onze". Na hora do enterro, mais de 500 vozes entoaram "Saudosa Maloca". Adoniran se foi, levando consigo a sua marca registrada:o chapéu, o cachecol e a gravatinha borboleta. Mas deixou marcas inapagáveis de seu samba paulistano, parte integrante da nossa MPB.

Veja também:

Adoniran Barbosa - O Cronista

Adoniran Barbosa - Sambas de Esquinas

Adoniran - Algumas letras, cifras e gravações


Fontes: "memórias da mpb" - Samira Prioli Jayme; Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora PubliFolha.

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