domingo, 12 de março de 2006

A modinha


Nascida no Brasil no século XVII, a modinha teve seu primeiro momento de glória na década de 1770, quando foi apresentada na corte de Lisboa pelo poeta, compositor, cantor e violeiro Domingos Caldas Barbosa (1740-1800). O grande sucesso alcançado pelo gênero – denominado modinha para diferenciar-se da moda portuguesa – levou músicos eruditos portugueses a cultivá-lo, só que de forma requintada, adicionando-lhe características da música de ópera italiana. Assim, aproximaram a cantiga colonial das árias portuguesas, praticamente transformando-a em canção camerística.


Foi com esse feitio que ela voltou ao Brasil no início do século XIX. Ao mesmo tempo suave e romântica, chorosa quase sempre, a modinha seguiu então pelo resto do século como o nosso melhor meio de expressão poético-musical da temática amorosa. Composta geralmente em duas partes, com predominância do modo menor e dos compassos binário e quaternário, a modinha do período imperial jamais se prendeu a esquemas rígidos, primando pelas variações.

O primeiro modinheiro a se destacar no começo dos oitocentos foi o compositor Joaquim Manoel da Câmara, morto por volta de 1840. Exímio violonista e cavaquinista, ele impressionava a todos que o ouviam, inclusive o músico austríaco Sigismund Neukomm, professor de Pedro I, que harmonizou vinte de suas modinhas. Joaquim Manoel deixou várias peças de qualidade como Se Me Desses Um Suspiro, Desde o Dia em Que Nasci e A Melancolia, tendo esta servido de tema para a fantasia L'Amoreux, de Neukomm.

Da mesma época é o compositor Cândido José de Araújo Viana, o Marquês de Sapucaí, hoje nome da avenida carioca que se transformou a passarela das escolas de samba. De vida longa (1793-1875), este mineiro de Sabará exerceu funções importantíssimas no Império, tendo sido deputado, senador conselheiro, desembargador, ministro de estado e presidente de Alagoas e do Maranhão. Apesar de todos esses encargos, o marquês ainda arranjou tempo para dedicar-se à música, sendo de sua autoria algumas composições de sucesso, como as modinhas Mandei um Eterno Suspiro e Já Que a Sorte Destinara. Não seria ele, porém, o nosso único personagem histórico a se interessar por música. O imperador Pedro I, além de razoável compositor, tinha boa voz e gostava de cantar modinhas.

Mas o maior "modinheiro" dessa geração foi o violinista, cantor, poeta e compositor Cândido Inácio da Silva. Nascido no Rio de Janeiro em 1800, estudou com o padre José Maurício, que o orientou em sua trajetória artística. São de sua autoria modinhas como Cruel Saudade, A Hora Que Não Te Vejo, Um Só Tormento de Amor e as famosas Busco a Campina Serena e Quando as Glórias Eu Gozei, publicadas em Modinhas Imperiais, de Mário de Andrade, que o considerava o Schubert brasileiro. Cândido compôs ainda valsas e lundus e mais não fez por que a morte o surpreendeu aos 38 anos.

Entre os numerosos autores de modinhas na primeira metade do século XIX, podem ainda ser citados Quintiliano da Cunha Freitas, Lino José Nunes, Francisco da Luz Pinto, os padres Augusto Baltazar da Silveira e Guilherme Pinto da Silveira Sales, além dos eruditos – como o padre José Maurício (1786-1830), Francisco Manoel da Silva (1795-1865), Domingos da Rocha Mussurunga (1807-1856) – que eventualmente compuseram obras do gênero.

Pertence ainda ao período um vasto repertório de modinhas de autores desconhecidos, sendo algumas delas de ótima qualidade, como é o caso de Vem Cá Minha Companheira, Se Te Adoro, Vem a Meus Braços, Róseas Flores da Alvorada, Deixa Dália, Flor Mimosa e Acaso São Estes (que ganhou letra de Tomás Antônio Gonzaga), famosas depois de sua publicação na citada coletânea Modinhas Imperiais.

No fim do século XIX e início do XX, renovada por músicos do povo e sob a forma de canção ternária, assimilada da valsa, a modinha viveu sua fase de maior popularidade, ganhando as ruas como música serenata. Um dos principais responsáveis por essa popularização foi o mulato baiano Xisto Bahia (1841-1894), que além de ser bom ator, notabilizou-se como cantor e compositor de modinhas e lundus. São de sua autoria, por exemplo, A Mulata (com Melo Moraes Filho) e Quis Debalde Varrer-te da Memória (com Plínio de Lima), duas das modinhas mais conhecidas de todos os tempos. Outros sucessos que também marcaram o fim do século foram Na casa branca da serra (Guimarães Passos e J. C. de Oliveira), Perdão Emília (José Henrique da Silva e Juca Pedaço), Gondoleiro do amor (Salvador Fábregas e Castro Alves), Mucama (Gonçalves Crespo), Quem Sabe? (Carlos Gomes), Elvira escuta (anônimo) Foi Uma Noite Calmosa (anônimo) e O Bem-Te-Vi (Miguel Emídio Pestana e Melo Moraes Filho).

Ainda por essa época, celebrizou-se no Rio de Janeiro o maranhense Catulo da Paixão Cearense (1866-1946), pródigo letrista que abarrotou a praça com dezenas de composições. Incapaz de musicar os seus rebuscados poemas, Catulo especializou-se em fazer versos para música alheia de sucesso, transformando em modinhas a maioria. É esse repertório – Talento e Formosura (com Edmundo Otávio Ferreira), Choro e Poesia (Ontem ao Luar) (com Pedro de Alcântara), Clélia (Ao Desfraldar da Vela) (com Luiz de Souza), Terna Saudade (Por um Beijo) e Iara (Rasga o Coração) (com Anacleto de Medeiros) e outras mais – que a então iniciante indústria do disco no Brasil iria comercializar com bastante sucesso nos primeiros 20 anos do século XX.

Ao chegar a era do rádio, com o crescimento da valsa romântica, muitas vezes classificada como canção, a modinha quase desapareceu, figurando vez por outra nas obras de alguns compositores como Vinícius de Moraes (Modinha, com Tom Jobim, e Serenata do adeus) e Chico Buarque (Até pensei).


Fonte: Modinha, a música do amor de outrora - Jairo Severiano.

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