sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Adoniran Barbosa - Sambas de Esquinas


Adoniran Barbosa gostava dos temas sociais. Depois do sucesso de Saudosa Maloca - que conta a triste história dos amigos que, de repente, se vêem sem ter onde morar -, o compositor se interessou cada vez mais pelo que acontecia nas ruas, pelos moradores dos bairros pobres, com seu português mal-falado e seus dramas cotidianos. Sua maneira de compor, sem grandes conceitos musicais, dificultava as parcerias.


Uma das exceções foi seu grande amigo Oswaldo Molles, criador de programas de rádio em que Adoniran amava. Molles gostava dos fraseados errados do companheiro, considerando-os a expressão do autêntico modo de falar do povo. E foi com a pretensão de aprofundar esse mergulho no espírito popular que Molles produziu o programa Histórias da Maloca, na Rádio Record, no qual Adoniran interpretava o personagem Charutinho, um negrinho malandro e boêmio, com o sotaque italianizado dos paulistanos. Da parceria no rádio para a música foi um pulo. Adoniran e Oswaldo Molles criaram juntos com posições importantes, entre as quais se destacam Tiro ao Álvaro e Mulher, Patrão e Cachaça.

Quem vê a lista de parceiros de Adoniran Barbosa se espanta com um nome que aparece algumas vezes: Peteleco. Mas quem conhece um pouco de sua vida sabe que esse era o apelido do primeiro cachorro do casal Adoniran e Matilde. Pois Peteleco é autor, ao lado de seu dono, das músicas Pra que chorar? e É da banda da lei, esta última também com a participação de Irvando Luiz. Na verdade, Peteleco, além de ser o nome do cão de Adoniran, servia como pseudônimo para sua esposa, Matilde de Lutiis. Apenas em A garoa vem descendo ela assinaria a co-autoria com seu próprio nome.

Outros dois personagens importantes na carreira de Adoniran Barbosa foram Rolando Boldrin, parceiro e intérprete do samba Quero ver quem pode mais, e Vinícius de Moraes, que assina Bom dia, tristeza. Sobre esta última, correm duas versões diferentes. Uma, contada por Araci de Almeida, primeira intérprete da canção, e, a outra, pelo próprio Adoniran. Segundo Araci, ela estava no bar do Hotel Comodoro, em São Paulo, quando chegaram Vinícius, Flávio Porto e Clóvis Graciano. Bebida vai, bebida vem, Araci pediu a Vinícius que criasse uma poesia para ela. Sem pensar duas vezes o poeta escreveu alguns versos em um papel e lhe entregou. Dias depois, a cantora deu a letra a Adoniran, que a musicou.

Este, no entanto, contava uma história diferente. Ele costumava dizer que Bom dia, tristeza era uma das composições mais antigas de Vinicius, escrita quando o poeta ainda servia como diplomata na Unesco. Ele teria enviado a poesia, por carta, para Araci de Almeida, com a recomendação de fazer o que bem entendesse. "Mas ela, que era minha chapa, deu para mim (sic) musicar", afirmava o compositor. De qualquer maneira, Adoniran e Vinicius nunca chegaram a se conhecer.

Houve intérpretes importantes para as músicas de Adoniran. Clara Nunes e Clementina de Jesus, por exemplo, misturaram seu samba carioca, do morro, com o sotaque paulistano tão caipira e italiano das músicas do compositor. Aliás, foi esse mesmo tom caipira que o aproximou de Rolando Boldrin.

Outros cantores e cantoras fizeram gravações marcantes de Adoniran. Foi o caso de Gal Costa, em sua versão de Trem das Onze, e de João Bosco, com uma interpretação histórica de Saudosa Maloca. A composição com Vinicius de Moraes, versões, entre elas a de Maísa, em 58, e a de Elis Regina, em 78.

Aliás, Elis é responsável por uma memorável gravação de Tiro ao Álvaro, no disco de comemoração dos 70 anos de Adoniran, em 1980. Ocupada com uma enorme agenda de shows, a cantora se atrasou para a gravação, desesperando toda a equipe e o velho compositor, que não mais acreditava na sua aparição. Quando Elis finalmente surgiu, ainda sem conhecer a música, entrou no estúdio com Adoniran e deixou o compositor boquiaberto quando saiu de lá, meia hora depois, já com a primeira e definitiva gravação.

Veja também

Adoniran Barbosa - Biografia

Adoniran Barbosa - O Cronista

Adoniran Barbosa - Algumas letras, cifras e gravações


Fonte: MPB Compositores Vol. 7 - Adoniran Barbosa - Editora Globo - 1996.

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