O frevo é uma dança surgida em Recife (PE) a partir dos últimos anos do séc. XIX, com a progressiva multiplicação das síncopas e do gingado rítmico das músicas de bandas militares, a fim de propiciar desarticulações de corpo dos capoeiras, que exibiam sua agilidade, abrindo os desfiles militares, com passos improvisados ao som das marchas e dobrados.
Segundo Renato Almeida, citando Mário Melo, surgiu da polca-marcha e teve sua linha divisória estabelecida pelo capitão José Lourenço da Silva (Zuzinha), ensaiador das bandas da brigada militar de Pernambuco.
A marcha tem um ritmo frenético e contagiante, que lhe confere o caráter de uma dança de multidão. Seu compasso é binário e o andamento, semelhante à marcha carioca, mas o ritmo é tudo.
A marcha tem um ritmo frenético e contagiante, que lhe confere o caráter de uma dança de multidão. Seu compasso é binário e o andamento, semelhante à marcha carioca, mas o ritmo é tudo.
Ainda conforme Renato Almeida, divide-se em duas partes e seus motivos se apresentam sempre em diálogos de trombones e pistons com clarinetas e saxofones. O grande interesse está na sua coreografia, individual, improvisada: os dançarinos raramente repetem um gesto ou atitude, mantendo sempre uma feição pessoal e instintiva de improvisação - o passo - originado no gingar dos antigos capoeiras. O passo, vindo a ser feita com a ajuda rítmica de velhas sombrinhas e guarda-chuvas, dava à massa dos dançarinos que evoluíam pelas ruas apertadas uma impressão visual de fervura, o que originaria a palavra frevo, como deverbal de frever, por ferver.
Posteriormente a 1917, conforme Pereira da Costa, o frevo foi introduzido nos salões, nos clubes carnavalescos; aí, com freqüência os pares se desfazem em roda e, no centro, os dançarinos exibem seus passos individualmente.
Tipos de frevo
Na década de 30, surge a divisão do frevo em três tipos:
Pierre Verger - Frevo, Recife -1947. |
Conta-se ainda que a "Marcha Pernambucana" como era conhecida inicialmente nasceu do costume das bandas militares acompanharem os blocos de rua. O brabo, que puxava o povo, era treinado com passos de capoeira. Para acompanhar os passos da capoeira, as orquestras militares tocavam um ritmo mais rápido e dançante. Esta marcha pernambucana, depois de já ter sido chamada de marcha-frevo, evoluiu para o que conhecemos como frevo de rua.
Frevo-canção: É derivado da ária (composição musical escrita para um cantor solista), tem uma introdução orquestral e andamento melódico, típico dos frevos de rua. É seqüenciado por uma introdução forte de frevo, seguida de uma canção, concluindo novamente com frevo.
São vários os seus intérpretes. Os mais conhecidos são: Alceu Valença, Claudionor Germano entre outros grandes nomes. Entre os compositores de frevo-canção destacam-se: Capiba, Nelson Ferreira, J. Michilles, Alceu Valença, etc.
O frevo-canção foi tido como uma concessão provocada, segundo o jornalista Ruy Duarte. Em 1931, os compositores pernambucanos Raul e João Valença (Irmãos Valença), enviaram para a RCA, no Rio de Janeiro, seu frevo-canção com o estribilho "O teu cabelo não nega mulata...", o compositor carioca Lamartine Babo transformou-o em marchinha carnavalesca que venceu o carnaval de 1932, sob o nome de "O teu cabelo não nega". Os editores da música no Rio de Janeiro foram processados na justiça pelos Irmãos Valença e no selo do disco passou a constar: "Marcha - Motivos do norte - Arranjo de Lamartine Babo".
Os pernambucanos reagiram ao que os cariocas faziam com suas músicas e lhes mandavam de volta, e decidiram enviar ao Rio um maestro pernambucano para ensinar aos músicos cariocas como deveriam usar a matéria prima musical que seria logo transformada em produto industrial sob a forma de disco. Fervorosos do frevo do Recife pressentiram o perigo dessa concessão cultural.
Existiam os amantes do frevo ortodoxo que eram ligados a clubes carnavalescos tradicionais como o Vassourinhas, e que incorporaram o frevo-canção sob forma de marcha-regresso, um frevo lamentoso cantado nas madrugadas pelos passistas cansados quando voltavam para casa, como o belíssimo: "Se essa rua fosse minha / eu mandava ladrilhar / com pedrinhas de brilhante / para o meu amor passar...".
E foi um frevo-canção lamentoso, também chamado de frevo de bloco, que devolveu aos cariocas a invasão que fizeram no Recife com O teu cabelo não nega, quando em 1957 o maior sucesso no Rio de Janeiro foi o frevo-canção Evocação nr.1, de Nelson Ferreira.
Frevo de bloco: É executado por Orquestras de Pau e Corda. Suas letras e melodias, muitas vezes interpretadas por corais femininos, geralmente trazem um misto de saudade e evocação. Sua origem vem das serenatas no início do presente século. Sua orquestra é composta de Pau e Corda: violões, banjos, cavaquinhos, bandolins, violinos, além de instrumento de sopro e percussão. Nas últimas três décadas observou-se a introdução de clarinete, seguida da parte coral integrada por mulheres. É chamado pelos compositores mais tradicionais de "marcha de bloco". Frevos de bloco famosos: Valores do Passado de Edgar Moraes, Marcha da Folia de Raul Moraes, Relembrando o Passado de João Santiago, Saudade dos Irmãos Valença, entre outros.
O Frevo de Bloco é a música das agremiações tradicionalmente denominadas "Blocos Carnavalescos Mistos". Seu aparecimento no carnaval de Pernambuco faz alusão a um dado histórico e sociológico: o início da efetiva participação da mulher, principalmente da classe média, na folia de rua do Recife, nas primeiras décadas do século XX.
Há uma tendência atualmente de se adotar a denominação "Blocos Carnavalescos Líricos", que foi inscrita pela primeira vez no flabelo do bloco Cordas e Retalhos, fundado em 1998. Segundo Leonardo Dantas, no frevo de bloco está "a melhor parte da poesia do carnaval pernambucano" (1998).
Entre os compositores de frevo de bloco mais importantes estão os irmãos Raul Moraes (1891-1937) e Edgard Moraes (1904-1973), João Santiago (1928-1985), Luiz Faustino (1916-1984), Romero Amorim (1937-), Bráulio de Castro (1942-), Fátima de Castro, Cláudio Almeida (1950-) e Getúlio Cavalcanti (1942-).
Frevo em frente a Igreja do Carmo, Olinda, Pernambuco. |
Tomando o país
De instrumental, o gênero ganhou letra no frevo canção e saiu do âmbito pernambucano para tomar o país. Basta dizer que O teu cabelo não nega , de 1932, considerada a composição que fixou o estilo da marchinha carnavalesca carioca, é na verdade uma adaptação do compositor Lamartine Babo do frevo Mulata, dos pernambucanos Irmãos Valença. A primeira gravação com o nome do gênero foi o Frevo Pernambucano (Luperce Miranda e Osvaldo Santiago) lançada por Francisco Alves no final de 1930. Um ano depois, Vamo se acabá, de Nelson Ferreira pela Orquestra Guanabara recebia a classificação de frevo. Dois anos antes, ainda com o codinome de "marcha nortista", saía do forno o pioneiro Não Puxa Maroca (Nelson Ferreira) pela orquestra Victor Brasileira comandada por Pixinguinha.
Ases da era de ouro do rádio como Almirante (numa adaptação do clássico Vassourinhas), Mário Reis (É de Amargar, de Capiba), Carlos Galhardo (Morena da Sapucaia, O Teu Lencinho, Vamos Cair no Frevo), Linda Batista (Criado com Vó), Nelson Gonçalves (Quando é Noite de Lua), Ciro Monteiro (Linda Flor da Madrugada), Dircinha Batista (Não é Vantagem), Gilberto Alves (Não Sou Eu Que Caio Lá, Não Faltava Mais Nada, Feitiço), Carmélia Alves (É de Maroca) incorporaram frevos a seus repertórios. Em 1950, inspirados na energia do frevo pernambucano, a bordo de uma pequena fobica, dedilhando um cepo de madeira eletrificado, os músicos Dodô & Osmar fincavam as bases do trio elétrico baiano que se tornaria conhecido em todo o país a partir de 1979, quando Caetano Veloso documentou o fenômeno em seu Atrás do Trio Elétrico.
Invasão no carnaval
Em 1957, o frevo Evocação No. 1, de Nelson Ferreira, gravado pelo Bloco Batutas de São José (o chamado frevo de bloco) invadiria o carnaval carioca derrotando a marchinha e o samba. O lançamento era da gravadora local, Mocambo, que se destacaria no registro de inúmeros frevos e em especial a obra de seus dois maiores compositores, Nelson (Heráclito Alves) Ferreira (1902-1976) e Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa, 1904-1997). Além de prosseguir até o número 7 da série Evocação, Nelson Ferreira teve êxitos como o frevo Veneza Brasileira, gravado pela sambista Aracy de Almeida e outros como No Passo, Carnaval da Vitória, Dedé, O Dia Vem Raiando, Borboleta Não É Ave, Frevo da Saudade. A exemplo de Nelson, Capiba também teve sucessos em outros estilos como o clássico samba canção Maria Bethânia gravado por Nelson Gonçalves em 1943, que inspiraria o nome da cantora. Depois do referido É de Amargar, de 1934, primeiro lugar no concurso do Diário de Pernambuco, Capiba emplacou Manda embora essa tristeza (Aracy de Almeida, 1936), e vários outros frevos que seriam regravados pelas gerações seguintes como De chapéu de sol aberto, Tenho uma coisa pra lhe dizer, Quem vai pra farol é o bonde de Olinda, Linda flor da madrugada, A pisada é essa, Gosto de te ver cantando.
Passista mirim dança frevo no Recife antigo |
Cantores como Claudionor Germano e Expedito Baracho se transformariam em especialistas no ramo. Um dos principais autores do samba-canção de fossa, Antônio Maria (Araújo de Morais, 1921-1964) não negou suas origens pernambucanas na série de frevos (do número 1 ao 3) que dedicou ao Recife natal. O gênero esfuziante sensibilizou mesmo a intimista bossa nova. De Tom Jobim e Vinicius de Moraes (Frevo) a Marcos e Paulo Sérgio Valle (Pelas ruas do Recife) e Edu Lobo (No Cordão da Saideira) todos investiram no (com)passo acelerado que também contagiou Gilberto Gil a municiar de guitarras seu Frevo Rasgado em plena erupção tropicalista.
A baiana Gal Costa misturou frevo, dobrado e tintura funk (do arranjador Lincoln Olivetti) num de seus maiores sucessos, Festa do Interior (Moraes Moreira e Abel Silva) e a safra nordestina posterior não deixou a sombrinha cair. O pernambucano Carlos Fernando, autor do explosivo Banho de Cheiro, sucesso da paraibana Elba Ramalho, organizou uma série de discos intitulada Asas da América a partir do começo dos 80. Botou uma seleção de estrelas para frevar: de Chico Buarque, Alcione, Lulu Santos e Gilberto Gil a Jackson do Pandeiro, Elba e Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Fagner e Alceu Valença. Entre os citados, Alceu, Zé e Geraldo mais o Quinteto Violado, Lenine, o armorial Antonio Nóbrega e autores como J. Michiles, mantêm no ponto de fervura o frevo pernambucano. Mesmo competindo com os decibéis – e o poder de sedução – do congênere baiano.
Músicas
Vassourinhas (Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas) – Orquestra de Frevos do Recife; Valores do passado (Edgar Moraes) – Grupo Romançal; Mulata (Irmãos Valença) – Expedito Baracho; É de amargar (Capiba) – Claudionor Germano; Evocação no. 1 (Nelson Ferreira) – Bloco Batutas de São José; Oh! Julia / Casinha pequenina / Gosto de te ver cantando / Linda flor da madrugada (Capiba) – Claudionor Germano; Relembrando o Norte (Severino Araújo) – Orquestra Tabajara; Come e dorme (Nelson Ferreira) – Nelson Ferreira e sua Orquestra; Frevo no.1 do Recife (Antonio Maria ) – Maria Bethânia; Frevo (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes) – Chico Buarque; No Cordão da Saideira (Edu Lobo) – Edu Lobo; Pelas ruas do Recife (Marcos e Paulo Valle) – Marcos Valle; Frevo rasgado (Gilberto Gil/ Bruno Ferreira) – Gilberto Gil; Atrás do Trio Elétrico (Caetano Veloso) – Caetano Veloso; Banho de cheiro (Carlos Fernando) – Elba Ramalho; Festa do interior (Moraes Moreira/ Abel Silva) – Gal Costa; Frevo mulher (Zé Ramalho) – Amelinha; Chego já (Alceu Valença) – Alceu Valença; Madeira que cupim não roi (Capiba) – Antonio Nóbrega; Me segura que senão eu caio (J. Michilles) – Alceu Valença; Realeza linda (Carlos Fernando/ Geraldo Azevedo) – Geraldo Azevedo; Bom danado (Luis Bandeira/ Ernani Seve) – Lenine.
Fontes: Cliquemusic (Tarik de Souza); Enciclopédia Nordeste - Frevo; Enciclopédia da Música Brasileira – Art Editora e PubliFolha.