O instrumentista e compositor Patápio Silva nasceu no município de Itacoara, Rio de Janeiro em 22 de outubro de 1881 e faleceu em 24 de março de 1907, na cidade de Florianópolis, Santa Catarina. Passou a infância na cidade mineira de Cataguases, onde o pai era barbeiro, e desde menino interessou-se por música, aprendendo a tocar em flauta de folha-de-flandres.
O pai ensinou-lhe seu ofício, e nas horas vagas o menino praticava na flauta, ingressando, aos 15 anos, na banda de música da cidade. Nessa época estudou solfejo e teoria musical tom o maestro italiano Duchesne, que vivia em Cataguases, e, conseguindo comprar uma flauta de chaves, deixou a cidade e passou a tocar em diversas bandas da região.
Atuou em seguida nas bandas de cidades fluminenses, como São Fidélis, Miracema, Santo Antônio de Pádua e Campos, e em 1901 transferiu-se para o Rio de Janeiro RJ, indo morar no bairro da Lapa. Trabalhou inicialmente como barbeiro e depois como tipógrafo, matriculando-se no I.N.M., na classe de flauta do professor Duque Estrada Meyer.
Estudando dez horas por dia, em 1903 concluiu o curso, cuja duração normal era de seis anos, recebendo medalha de ouro e o primeiro prêmio do Instituto. Contratado por Fred Figner gravou na Odeon (Casa Edison) de 1904 a 1906, interpretando peças como
Noturno n° 1 e
Noturno n° 2, de Fréderic Chopin (1810-1849),
Serenata, de Franz Schubert (1797-1828),
Serenata oriental (Ernesto Kõhler),
Allegro (Terschak), a polca
Só para moer (Viriato) e, de sua autoria, a valsa
Primeiro amor,
Variações de flauta (Fantasia de concerto),
Margarida,
Sonho,
Serenata d'amore,
Amor perdido e
Zinha.
Conhecido por seu virtuosismo, foi convidado a tocar no Palácio do Catete, para o então presidente Afonso Pena. Em seguida, resolveu excursionar pelo Brasil, a fim de obter recursos financeiros para uma viagem de estudos ao exterior, apresentando-se nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraná. No interior de São Paulo, apresentou-se acompanhado ao piano pelo futuro compositor
Marcelo Tupinambá, ainda menino. Todavia, em Florianópolis, contraiu difteria, morrendo cinco dias depois. Seu funeral foi promovido pelo governo de Santa Catarina.
Suas composições continuaram a ser gravadas: em 1913 o flautista Agenor Bens lançou
Oriental, opus 6, em disco da Casa Edison, e em 1928 o saxofonista Lazário Teixeira gravou na etiqueta Parlophon a peça
Fantasia de concerto, que o autor gravara em 1904 sob o título de
Variações de flauta. Comemorando 0 cinquentenário de sua morte, em 1957, Altamiro Carrilho gravou na Copacabana o LP
Revivendo Patápio. Dez anos depois, em 1967, o flautista Lenir Siqueira, acompanhado ao piano por Alceu Bocchino, gravou na Odeon o LP
Relembrando Patápio. Três meio irmãos de Patápio Silva, filhos de segundo casamento de sua mãe, tornaram-se músicos: os violinistas Lafaiete Meneses e Cícero Meneses, e o flautista João Meneses.
O dia em que deixou de tocar em Florianópolis
Um dos maiores flautistas que o Brasil já produziu, Patápio Silva, encontrou a morte na pequena Florianópolis de 1907. Em meio a uma turnê pelo Sul do País, ele desenvolveu misteriosa enfermidade assim que chegou à Capital catarinense, vindo de Curitiba. Teve febre e náuseas. O diagnóstico inicial era gripe, nada preocupante para um rapaz saudável de 26 anos. Mas o quadro se agravou até fugir do controle dos médicos. A agonia durou dez dias. Patápio morreu num quarto de hotel da Conselheiro Mafra, longe dos amigos e da família, às 2 horas da madrugada de 21 de abril.
Tratava-se de um desses talentos inesperados que a música brasileira revela vez ou outra. Oriundo de uma família simples de Vila de Itacoara, uma cidadezinha do Rio de Janeiro, Patápio demonstrou vocação já aos 5 anos, quando fez de um pedaço de bambu a primeira flauta. Mais tarde, conduzido à melhor escola de música da época, surpreendeu e encantou experientes mestres. Aos 20 anos, tocava e compunha com a mesma desenvoltura, transitando naturalmente pelo erudito e popular. Foi considerado gênio ainda em vida, e a morte precoce reforçou o mito.
Era com entusiasmo que Florianópolis aguardava a apresentação do virtuose naquele distante 1907. A uma semana do espetáculo, o jornal "O Dia" comemorava: "A nossa sociedade, tão pobre de distrações artísticas, vai ter dentro de poucos dias o prazer de ouvir um flautista de raro merecimento". O concerto estava marcado para 18 de abril. Seria no Clube 12 de Agosto. "O exímio flautista Patápio Silva foi ontem acometido de forte influenza, recolhendo-se ao leito com febre alta", noticiou "O Dia".
Apenas depois da morte de Patápio é que desconfiou-se de infecção intestinal, possivelmente causada pela ingestão de alimento contaminado. As condições sanitárias da época eram precárias. Também se falou em envenenamento. De acordo com essa versão, Patápio teria cortejado a mulher de um importante político local, sendo por isso alvo de vingança. Correu ainda a história de que o flautista viajava acompanhado de uma bela mulher, que teria despertado a cobiça do tal figurão e inspirado a ideia do envenenamento. Mas nada disso foi comprovado.
Centenas de pessoas foram ao velório no saguão do Hotel do Comércio, onde Patápio viveu os últimos momentos (o prédio da Conselheiro Mafra, em frente à Alfândega, abrigava ultimamente as Casas Coelho, loja incendiada no início deste ano). Os pertences do músico foram confiscados pelo hotel como pagamento das diárias inclusive a flauta, que teve destino ignorado. Em 1915, os restos mortais de Patápio foram exumados a pedido da família e transladados para o Rio de Janeiro.
A principal motivação da turnê de Patápio era obter meios de ir à Europa, onde pretendia continuar os estudos. Ele já havia sido pioneiro ao realizar gravações sob encomenda da Casa Edison, um raríssimo acontecimento naqueles primeiros anos do século. Afinal, o fonógrafo havia chegado ao Brasil pouco antes, em 1899.
As gravações pioneiras para a Casa Edison estão quase completamente perdidas, mas o talento de Patápio ficou para a posteridade graças às "bolachas" produzidas depois para a Odeon. São registros de algumas composições próprias, como "Amor Perdido", "Zinha", "Variações de Flauta", "Margarida", "Serenata de Amor" e "Primeiro Amor", além de "Allegro" (de Adolf Terschak), "Só para Moer" (Viriato Figueira da Silva), "Serenata Oriental" (Ernesto Köhler), "Alvorada das Rosas" (Júlio Reis) e "Serenata" (Franz Schubert).
Tidas como de difícil execução, as composições de Patápio fazem parte do repertório de importantes nomes da música erudita nacional, não apenas flautistas, mas também pianistas, acordeonistas e violonistas. Tido como inventor do "dugue-dugue", técnica em que o flautista ressalta a melodia apoiando as notas altas com inúmeras notas arpejadas (o que aproximou a música erudita do chorinho brasileiro), ele é cultuado por quem descobre sua obra e trajetória. Um exemplo está no título escolhido para o boletim da Associação Brasileira de Flautistas na Internet: "Patápio On Line".
Entre as composições de Patápio, um dos destaques é "O Sabão", polca com estrutura inovadora para os padrões da época. "A melodia literalmente escorrega por entre os tons, passando maliciosamente pelos semitons (o que os técnicos chamariam de cromatismo), conferindo à melodia sua característica bem brasileira", diz o livreto "Patápio: Músico Erudito ou Popular?", publicada em 1983 pelo Ministério da Educação e Cultura.
Depois de fabricar a primeira flauta de bambu ainda aos cinco anos, Patápio não parou mais. Adolescente, fez uma flauta de madeira com oito buracos, que o acompanharia até o ingresso no Instituto de Música do Rio de Janeiro, antigo nome da Escola Nacional de Música. Lá, o mulato que não se desgrudava do instrumento construído artesanalmente teve que enfrentar o preconceito dos filhos das famílias mais abastadas da então capital federal.
Durante alguns anos da adolescência, Patápio viveu no interior de Minas Gerais, para onde foi levado depois da separação dos pais. Enquanto a maior parte dos irmãos ficou com a mãe no Rio, ele se mudou com o pai, de quem herdou o ofício de barbeiro. Mas nunca esqueceu a flauta, praticada nas horas vagas. Aos 15 anos já estava integrado a bandas de música, uma tradição mineira.
Ao perceber que o pai resistia à ideia de vê-lo músico, Patápio decidiu voltar ao Rio em 1900, ano em que Chiquinha Gonzaga compôs a conhecida marchinha carnavalesca "Ô abre alas". Com quase nenhum dinheiro no bolso, arranjou um emprego como tipógrafo. Quando se apresentou ao reconhecido professor Duque Estrada Meier com a flautinha de madeira, foi prontamente acolhido no refinado Instituto de Música.
Dedicando-se mais de dez horas por dia, concluiu em dois anos um curso que deveria ser feito em seis. Começou a realizar gravações, a se apresentar nas casas mais chiques da época e a fazer excursões pelo País. Era um doce cotidiano, inesperadamente interrompido naquele mês de abril.
Fonte: Enciclopédia da Música Brasileira - Editora Art - Publifolha;
A Notícia 21/10/98.