Foto: O alargamento da rua da Carioca testemunhado pela fotografia de Augusto Malta, em 1906, mostra o verdadeiro canteiro de obras em que foi transformado o centro urbano do Rio de Janeiro no início do século XX. Os velhos sobradões, a maioria usada como cortiços que abrigavam dezenas de famílias, ou antigos armazéns, foram demolidos para dar lugar a largas ruas e avenidas que tornaram a região um polo comercial, banindo os antigos moradores.
Na avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro de hoje, entre a estação da Estrada de Ferro Central do Brasil e o Trevo dos Pracinhas, existiu a Cidade Nova. Constituiu-se ali importante grupamento social, na forma definitiva que a cidade começou a assumir nos últimos anos do século passado e nos primeiros deste.
Ganhou importância na primeira metade do século XIX com o aterro das vizinhanças do Canal do Mangue e com as facilidades fiscais para as residências assobradadas nas ruas abertas pela Prefeitura. Que foi forçada a agir assim pela chegada da Corte portuguesa ao Rio, que abarrotou a cidade obrigando-a a se espraiar rumo aos subúrbios.
Mansões e bem-cuidadas chácaras testemunhavam a qualidade de vida dos moradores, que, porém, nos meados do século, se transferiram para a Zona Sul. Com isso, muitas das construções se tornaram moradias coletivas, abrigando a população de baixa renda, constituindo com o centro da cidade grande concentração habitacional operária.
Em 1872, o recenseamento apontava 26.592 moradores, muitos dos quais negros, alguns ainda escravos e seguramente africanos. É chegada no início do século XX a Reforma Pereira Passos que desmonta o sistema habitacional do centro da cidade. O abrigo mais próximo é a Cidade Nova, cuja densidade populacional cresce assustadoramente com a presença dos migrantes provindos da Bahia, que para lá se transferem.
Na união dos africanos com os recém-chegados baianos surgiria música naturalmente. Lima Barreto em seu livro Feiras e mafuás acrescenta ainda a presença de imigrantes italianos, que ele situa em patamar sócio-econômico mais baixo ainda, mas que devem com certeza — raça musical que é — ter contribuído com sua parcela nas festas e cantorias que a gente humilde armava para esquecer a tristeza.
“No começo do século” — dizia Lima Barreto — “era comum vê-la (a Cidade Nova) representada nas revistas teatrais do Rocio como sendo habitada sobretudo por pobre gente de cor na maioria dada a malandragem. Mas era um exagero (...).
Nos pontos de bonde da Senador Eusébio ou da Visconde de Itaúna já se viam, napolitanas robustas às dezenas, de grossos anciões de ouro nas orelhas, levando fardos de costura à cabeça, e pequenos empregados públicos, e tipógrafos, e caixeiros do atacado e do varejo.
Ao cair da tarde vinham as moças para a janela, e então as festinhas caseiras, típicas da época, não tardavam a começar, animadas pelos pianistas amadores, que sabiam de cor o ‘shotish’, a valsa e a polca da moda e aos domingos brilhavam nos salões do Clube dos Aristocratas da Cidade Nova”.
Este era o ambiente onde o samba carioca começava a nascer, processo que teria prosseguimento com os habitantes das favelas e posteriormente com os compositores chamados urbanos, que dele tomariam conhecimento atraídos por eventos como o Carnaval que se festejava na praça Onze (de Junho), domínio da Cidade Nova.
Projetada por Grandjean de Montigny, arquiteto que veio ao Brasil com a famosa Missão Francesa, a partir da ocupação da Cidade Nova pela gente humilde, a praça se tornaria um ponto de convergência desses novos moradores, local de encontro de capoeiras, malandros, operários e músicos de ranchos e blocos carnavalescos. Com a abertura da avenida Presidente Vargas rumo à Zona Norte do Rio de Janeiro, a Cidade Nova desapareceu.
Fonte: História do Samba - Editora Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário