João do Vale |
E foi naquele ambiente que surgiu a idéia do “Opinião”, um musical de protesto contra a ditadura recém-instalada. O espetáculo — cuja autoria era de Paulo Pontes, Ferreira Guliar, Armando Costa e Oduvaldo Viana Filho e a direção de Augusto Boal — juntava um compositor urbano (Zé Keti), um nordestino (João do Vale) e uma moça da alta classe média (Nara Leão), três personagens bem diferentes e uma só opinião.
Encenado no então Teatro de Arena, em Copacabana, a partir de 10.12.64, mostrava canções contestadoras, como “Carcará”, lançada por Nara, mas que acabaria consagrando a estreante Maria Bethânia, que assumiu o seu papel em 13.2.65, permanecendo até o final da temporada.
“Carcará” é a mais conhecida composição da obra impregnada de realismo do rude maranhense João do Vale, um observador profundo da paisagem e da vida nordestina. Um tipo de gavião (“grande, do tamanho de um galo”, assegura João), o carcará, ou caracará, sabe superar os problemas de sobrevivência, porque ao sentir fome “pega, mata e come”, e quando em perigo “avoa que nem avião”. Valente e decidido, “mais coragem do que home”, o carcará simboliza o ideal libertário da canção.
Um dos momentos mais explosivos do número era o trecho discursivo, com informações sobre dados estatísticos de caráter social, exaltado numa crescente e proposital agressividade de Bethânia, que produzia um efeito ameaçador. Isso prenunciava seu pendor para a declamação de textos dramáticos, uma característica marcante de seu estilo.
Detalhe: o tal trecho declamado — “1950, mais de dois milhões de nordestinos viviam fora de seus estados natais. 10% da população do Ceará emigrou; 13% do Piauí; 15% da Bahia; 1% de Alagoas...” — foi copiado de um relatório da Sudene. Outro enxerto utilizado no arranjo é um pequeno trecho da “Missa Agrária”, de Carlos Lira e G. Guarnieri (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).
Carcará (canção, 1965) - João do Vale e José Cândido - Interpretação de Maria Bethânia
LP Maria Bethânia / Título da música: Carcará / João do Vale (Compositor) / José Cândido (Compositor) / Maria Bethânia (Intérprete) / Gravadora: RCA Victor / Ano: 1965 / Álbum: BBL 1339 / Lado B / Faixa 1 / Gênero musical: Canção.
Carcará (canção, 1965) - João do Vale e José Cândido - Interpretação de Maria Bethânia
LP Maria Bethânia / Título da música: Carcará / João do Vale (Compositor) / José Cândido (Compositor) / Maria Bethânia (Intérprete) / Gravadora: RCA Victor / Ano: 1965 / Álbum: BBL 1339 / Lado B / Faixa 1 / Gênero musical: Canção.
Tom: D Em Carcará / Lá no sertão É um bicho que avoa que nem avião A7 É um pássaro malvado B7 Em Tem o bico volteado que nem gavião Carcará A7 Em7 Quando vê roça queimada A7 Sai voando, cantando, Em Carcará A7 Em Vai fazer sua caçada A7 Em Carcará come inté cobra queimada A7 Em Quando chega o tempo da invernada A7 Em O sertão não tem mais roça queimada A7 Em Carcará mesmo assim num passa fome A7 Em Os burrego que nasce na baixada Carcará A7 Em Pega, mata e come Carcará A7 Em Num vai morrer de fome Carcará A7 Em Mais coragem do que home Carcará A7 Em Pega, mata e come A7 Em Carcará é malvado, é valentão A7 Em É a águia de lá do meu sertão A7 Em Os burrego novinho num pode andá A7 Em Ele puxa o umbigo inté matá Carcará A7 Em Pega, mata e come Carcará A7 Em Num vai morrer de fome Carcará A7 Em Mais coragem do que home Carcará A7 Em Pega, mata e come
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