Aquela antológica abertura, em solo de flauta, de Chega de saudade, que, ao lado do violão de João Gilberto, lançou a bossa nova em 1957, foi feita pelo engenheiro paulista Nicolino Cópia, mestre do instrumento (e de todos os de sopro) desde os tempos em que tocava acompanhando filmes no cinema mudo.
Genial, eclético, atualizado, Copinha foi acima de tudo um músico. Seu som está em centenas - milhares, sem exageros - de gravações de cantores e cantoras brasileiros, de todos os gêneros e estilos, ao longo de seus mais de cinqüenta anos de carreira (nasceu em 3/3/1910 e morreu em 4/3/1984, um dia depois de completar 74 anos).
"Engenheirou" poucos meses em São Paulo e foi ser músico na vida. Trabalhando com outros maestros ou liderando suas próprias orquestras, apresentou-se nos mais variados cenários e cidades. Teve como companheiros gênios a sua altura, como Garoto, Aimoré, Armandinho, Spartaco Rossi, Gaó, Tom Jobim, Dom Salvador, Chico Batera e, no apagar das luzes de tão exuberante carreira, um trabalho majestoso ao lado de Paulinho da Viola.
Desde o início dos anos 30, Copinha teve lugar de destaque em São Paulo, no Rio de Janeiro e no mundo. Na música feita nas rádios, nos cassinos, nos shows, nas gravações de discos, foi figura obrigatória. Em 1931, tocava na Alemanha, em 32, na Companhia de Revistas de Margarida Max, no Rio.
Nos anos seguintes, na Orquestra Columbia e ao lado de Pixinguinha na noite carioca. Tocou no Copacabana Palace com Simon Boutman e Carlos Machado, até formar a própria orquestra. Passou pela TV Rio, Rádio Nacional, TV Globo. Apresentou-se com sua orquestra no cassino de Monte Carlo, em Dallas, Miami, Minneapolis. Gravou três discos solo e acompanhou três gerações de cantores brasileiros.
Morreu no Carnaval. Em seu velório, Paulinho da Viola e mais quatro ou cinco pessoas. Nas ruas, o Rio de Janeiro brincava.Concedeu esta entrevista ao programa MPB Especial, da TV Cultura de São Paulo, em 1974, aos 64 anos.
Arley Pereira - MPB ESPECIAL- 2/10/1974
"Essa música (Abismo de Rosas) é de um senhor, para mim um senhor exímio violonista, chamado Giacomino, apelido de Canhoto. Eu conheci o Canhoto em 1918, 1919, que foi a época em que ele fez essa valsa, e eu adorava esse homem tocando violão. Aliás, fazíamos serenatas, eu, um garotinho, só "sapeava", eu tocava uma coisinha ou outra. Meus irmãos mais velhos é que tocavam com ele, João, Vicente, Joaquim e Alexandre.
Eu nasci na rua Santa Efigênia, antigamente bairro Santa Efigênia. Hoje é Centro. Atravessava a ponte (1), era o bairro Santa Efigênia. Hoje atravessa a ponte e é cidade mesmo. São Paulo cresceu de uma maneira... São Paulo nesse tempo era um Estado formidável de se viver. Poluição não existia. Eram aqueles bondinhos, eram bondes. Eu não alcancei bonde de burro, não, eu não alcancei isso, porque também não sou tão velho. Mas eram aqueles bondes caradura. Tinha o bonde condutor na frente, todo fechado, pintado de verde, da esperança, que levava o reboque atrás, feito uma jardineira, tudo aberto, chovia dentro. Esse caradura era um tostão. Tomei muito bonde caradura.
No bairro de Santa Efigênia a coisa mais importante era a igreja. Sem contar a ponte. A ponte foi um acontecimento, os dois viadutos: Santa Efigênia e viaduto do Chá. Tinha casas baixinhas. Naquele tempo, São Paulo todo devia ter um milhão e duzentos mil habitantes. O Rio de Janeiro era mais habitado do que São Paulo, tinha mais população. São Paulo era um lugar formidável. Nasci aqui, gostava muito, né? Hoje não, hoje São Paulo está difícil, está fogo. O Rio de Janeiro está mais devagar, está mais calmo.
Eu comecei a estudar com 7 anos de idade, em 1917. Mas estudava direito, estudava música primeiro. Hoje a gurizada pega um instrumento e vai tocar de ouvido. Estudei música, solfejo, depois mais tarde harmonias, essa coisa toda. Com 9 anos é que eu peguei a flauta. Com nove anos eu já fazia serenata com o Canhoto. Toquei muitas vezes. Ele gostava e dizia: "Esse garoto é bom". Fiz muitas serenatas e valsas. Aliás, muita gente está enganada com serenata, dizem que serenata é só música dolente. Não é não. Eu tinha uma "pequena" que gostava de tango e fiz serenata com tango. Tinha uma garota que gostava de um choro (não me lembro o nome).
Eu tocava choro para ela na serenata. E daí todo muito pensa que serenata é só valsa, dolente. Não é nada disso, não. Tudo que você gostava, eu ia tocar para você, e acabou-se, gostasse do que gostasse".(1) Refere-se ao Viaduto Santa Efigênia.
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