Gal Costa defendendo "Divino Maravilhoso". Festival de 1968. |
4° Festival da MPB - TV Record (novembro-dezembro, 1968): 1º - São São Paulo, Meu Amor, de Tom Zé, com Tom Zé; 2° - Memórias de Marta Sare, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, com Edu Lobo e Marília Medalha; 3º - Divino maravilhoso, de Gilberto Gil e Caetano Veloso, com Gal Costa; 4° - Dois Mil e Um, de Rita Lee e Tom Zé; 5º - Dia da Graça, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo e Modern Tropical Quintet.
“...O festival de 68 foi um pouco de tudo. O sucesso dos baianos no ano ano anterior fez com que a maioria dos compositores fantasiasse suas apresentações. Teve até guitarrista vestido de padre. Caetano e Gil, pela primeira vez em um festival, formaram uma parceria, e com a mudança de nome da “Gracinha”, a Maria da Graça, para Gal Costa, diziam que tudo era perigoso no seu Divino Maravilhoso.
Tom Zé venceu com São São Paulo Meu Amor, música muito abaixo da média de seu trabalho, que, quase como um castigo, não recebeu da Prefeitura um prêmio especial a que fez jus, tal burocracia vigente na cidade. Mas o ano de 68 ainda reservava outras surpresas.
Fui convidado pelo Renato Correa de Castro, meu ex-assistente no festival da Record de 66, e que havia sido contratado pela TV Globo para coordenar a parte paulista do III FIC (Festival Internacional da Canção), para ajudá-lo na seleção das músicas que iriam concorrer em São Paulo, classificando algumas para a final no Rio de Janeiro. Gil e Caetano inscreveram músicas que trilhavam um caminho experimental: Questão de Ordem e É Proibido Proibir, respectivamente. Das que Geraldo Vandré inscreveu escolhemos Para não dizer que não falei de flores.
Na primeira eliminatória no Tuca (Teatro da Universidade Catóica), templo da juventude politizada da época, a música do Gilberto Gil foi arrasadoramente vaiada, talvez por fugir dos chavões festivalescos, e desclassificada pelo júri. A rejeição foi gerada por uma estranheza estética, e não pelo rompimento do conservadorismo formal que o Gil propunha, fortemente influenciado por Jimi Hendrix. Não era realmente uma música de fácil digestão para quem então já estava mais habituado a aplaudir convenções e desdobradas de ritmo com queixada de burro do que a quebra de padrões musicais.
Caetano, que ousou propor para aquela platéia que era proibido proibir, juntando versos de Fernando Pessoa, emoldurados pelos corajosas desarmonias dos Mutantes, apesar de hostilizado pela platéia, foi classificado para a eliminatória que iria indicar as músicas de São Paulo que passariam para as apresentações no Maracanãzinho.
Naquela noite, a intolerância daquela gente atingiu o paroxismo. Objetos eram atirados no palco com uma agressividade que eu jamais poderia imaginar, vinda de uma platéia que deveria representar a elite política e intelectual daqueles tempos. Grande engano. Era um típico exemplo de como, às vezes, as paixões chegam a confundir as mentes, que, sem se deter para uma reflexão, ainda que superficial, assumem posições absolutamente contrárias ao que sua cartilha ideológica reza.
A palavra de ordem dos estudantes europeus naquele momento deveria coincidir com a dos nossos, que já haviam provocado grandes manifestações em gigantescas passeatas contra a ditadura, que apertava cada vez mais o cerco às liberdades individuais. “É proibido proibir” era frase definitivamente revolucionária para o momento.
Mas Caetano, enfrentando a reação absurda daquela platéia que o agredia com palavrões, ao mesmo tempo que atirava sobre o grupo no palco o que conseguisse apanhar, com a moral de quem está convicto de suas posições, colocou, aos gritos, enfurecido: “Vocês não estão entendendo nada. Se forem em política [tão reacionários e intolerantes como] o que são em estética, pobre do nosso país. Vocês querem matar hoje o velhote que já morreu ontem”.
Aquela platéia, com sua reação, mostrava ser a esquerda na direita sem se dar conta. A explosão de Caetano, na minha leitura, foi mais importante do que a música. Foi um manifesto passional, lúcido, poético, determinado, corajoso e, acima de tudo, coerente.
Naquela mesma noite, liguei para o André Midani, então diretor da Phillips, de quem o Caetano era contratado, e implorei que transformasse aquele momento raro em disco. O som, com a participação especial do Renatão, foi tirado às escondidas do teipe da Rede Globo. O disco saiu com o esdrúxulo título “Ambiente de Festival”...”
Fonte: Prepare seu Coração (A História dos Grandes Festivais) – Solano Ribeiro – Geração Editorial, 2002
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