O "choro" é o gênero criado a partir da mistura de elementos das danças de salão europeias (como o schottisch, a valsa, o minueto e, especialmente, a polca) e da música popular portuguesa, com influências da música africana. De início, era apenas uma maneira mais emotiva, chorosa, de interpretar uma melodia, cujos praticantes eram chamados de chorões.
Como gênero, o choro só tomou forma na primeira década do século 20, mas sua história começa em meados do século XIX, época em que as danças de salão passaram a ser importadas da Europa. A abolição do tráfico de escravos, em 1850, provocou o surgimento de uma classe média urbana (composta por pequenos comerciantes e funcionários públicos, geralmente de origem negra), segmento de público que mais se interessou por esse gênero de música.
Em termos de estrutura musical, o choro costuma ter três partes (ou duas, posteriormente), que seguem a forma rondó (sempre se volta à primeira parte, depois de passar por cada uma). A origem do termo choro já foi explicada de várias maneiras. Para o folclorista Luís da Câmara Cascudo, esse nome vem de xolo, um tipo de baile que reunia os escravos das fazendas; de xoro, o termo teria finalmente chegado a choro. Por outro lado, Ary Vasconcelos sugere que o termo liga-se à corporação musical dos choromeleiros, muito atuantes no período colonial. José Ramos Tinhorão defende outro ponto de vista: explica a origem do termo choro por meio da sensação de melancolia transmitida pelas baixarias do violão (o acompanhamento na região mais grave desse instrumento). Já o músico Henrique Cazes, autor do livro Choro – Do Quintal ao Municipal, a obra mais completa já publicada até hoje sobre esse gênero, defende a tese de que o termo decorreu desse jeito marcadamente sentimental de abrasileirar as danças europeias.
Grupo de chorões, Rio de Janeiro, 15/11/1916. No centro, em pé, o compositor Sinhô. |
Vários músicos e compositores contribuíram para que esse maneirismo inicial se transformasse em gênero. Autor da polca Flor amorosa, que é tocada até hoje pelos chorões, Joaquim Antonio da Silva Callado foi professor de flauta do Conservatório de Música do Rio de Janeiro. De seu grupo fazia parte a pioneira maestrina Chiquinha Gonzaga, não só a primeira chorona, mas também a primeira pianista do gênero. Em 1897, Chiquinha escreveu para uma opereta o cateretê Corta-Jaca, uma das maiores contribuições ao repertório do choro. Outro pioneiro foi o clarinetista e compositor carioca Anacleto de Medeiros, que realizou as primeiras gravações do gênero, em 1902, à frente da Banda do Corpo de Bombeiros. Assim como outros registros posteriores, essas gravações indicam que a improvisação ainda não fazia parte da bagagem musical dos chorões naquela época.
Essencial para a formação da linguagem do gênero foi a obra de Ernesto Nazareth, que desde cedo extrapolou as fronteiras entre a música popular e a erudita. O autor de clássicos como Brejeiro, Odeon e Apanhei-te cavaquinho destacou-se como criador de tangos brasileiros e valsas, mas de fato exercitou todos os gêneros musicais mais comuns daquela época. A sofisticação da obra de Nazareth era tamanha, que (exceto no caso de Radamés Gnattali, um de seus melhores intérpretes) sua obra só foi definitivamente integrada ao repertório básico dos chorões nos anos 40 e 50, por meio das gravações de Jacob do Bandolim e Garoto.
Também genial, Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, contribuiu diretamente para que o choro encontrasse uma forma definida. Para isso, introduziu elementos da música afro-brasileira e da música rural nas polcas, valsas, tangos e schottische dos chorões. É o caso do maxixe Os Oito Batutas, gravado em 1918, cujo título antecipou o nome do primeiro conjunto a conquistar fama na história da música brasileira. Protagonistas de uma polêmica temporada de seis meses em Paris, no ano de 1922, Pixinguinha e seus parceiros na banda Oito Batutas (um septeto, na verdade) dividiram a imprensa e o meio musical brasileiro, entre demonstrações de ufanismo e desqualificação. Foi também sob duras críticas que Lamentos (de 1928) e Carinhoso (composto em 1917 e só gravado pela primeira vez em 28), dois inovadores choros de Pixinguinha, foram recebidos pela crítica. O fato de ambos terem sido feitos em duas partes, em vez de três, foi interpretado pelo preconceituoso crítico Cruz Cordeiro como uma inaceitável influência do jazz.
Outra personalidade de peso na história do gênero foi o carioca Jacob Pick Bittencourt, o Jacob do Bandolim, famoso não só por seu virtuosismo como instrumentista, mas também pelas rodas de choro que promovia em sua casa, nos anos 50 e 60. Sem falar na importância de choros de sua autoria, como Remeleixo, Noites Cariocas e Doce de Coco, que fazem parte do repertório clássico do gênero. Contemporâneo de Jacob, Waldir Azevedo superou-o em termos de sucesso comercial, graças a seu pioneiro cavaquinho e choros de apelo bem popular que veio a compor, como Brasileirinho (lançado em 1949) e Pedacinhos do céu.
Um dos exemplos mais bem resolvidos de união entre o choro e o jazz pode ser encontrado na obra do maestro e arranjador pernambucano Severino Araújo, que pouco depois de se mudar para o Rio de Janeiro, em 1944, decidiu adaptar sambas e choros à linguagem das big bands. À frente da Orquestra Tabajara, Araújo gravou vários choros de sua autoria, como Espinha de bacalhau e Um chorinho em Aldeia, exemplos seguidos por outras orquestras do gênero ou compositores como Porfírio da Costa e K-Ximbinho. Outro brilhante adepto da fusão do choro com o jazz foi o maestro Radamés Gnattali, ao lado de quem atuaram talentosos músicos do gênero, como os violonistas Bola Sete, Laurindo de Almeida e Garoto. Mas foi com dois saxofonistas que Gnattali aprofundou mais suas experiências de aproximação com o jazz: Zé Bodega e Paulo Moura, músico que desde os anos 70 dedica parte de seu repertório ao choro.
O Rio de Janeiro é a incontestável capital do choro, mas não faltaram músicos de expressão no gênero, originários de outras partes do país. Um dos pioneiros foi o violonista João Pernambuco, que trocou o sertão pernambucano pelo Rio, em 1904. Além de ter feito parte do conjunto Os Oito Batutas, ele é até hoje cultuado pelos violonistas brasileiros, que continuam interpretando suas composições para violão. Incentivado pelos Batutas, o paraibano Severino de Carvalho, o Ratinho, também migrou para o Rio, em 1922. Um dos pioneiros na utilização do sax soprano, além de compositor de clássicos do gênero, como Saxofone, por que choras?, ficou mais conhecido, porém, ao formar a famosa dupla caipira Jararaca e Ratinho. Outro solista nordestino de destaque, nos anos 20 e 30, foi o clarinetista e saxofonista sergipano Luís Americano, que integrou o inovador Trio Carioca, ao lado do pianista e maestro Radamés Gnattali, em 1937. Já o bandolinista pernambucano Luperce Miranda, que também tocava cavaquinho, radicou-se no Rio de Janeiro, em 1928, depois de tocar com os Turunas da Mauricéia. Notável também é o violonista e compositor Francisco Soares de Araújo, o Canhoto da Paraíba, que surpreende ao tocar seu instrumento sem inverter a posição das cordas, apesar de ser canhoto.
Outro centro de cultivo e desenvolvimento do gênero foi São Paulo, onde se destacaram chorões como os violonistas Armandinho Neves, Antônio Rago e, especialmente, Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto. Virtuose do violão, ele acompanhou a cantora Carmen Miranda nos EUA, em 1939. O contato direto com o jazz influenciou sua obra, inclusive seus choros, que hoje são tocados por violonistas de vários cantos do mundo, incluindo o também paulista Paulo Bellinati, um dos principais divulgadores da obra de Garoto. Embora o choro continue sendo mais cultuado no Rio, é em São Paulo que têm acontecido os mais significativos eventos dedicados ao gênero, como os festivais promovidos pela TV Bandeirantes, nos anos 70, ou a recente série Chorando Alto, no Sesc Pompeia.
Estimulado pelo show Sarau, com Paulinho da Viola e o grupo Época de Ouro (e em parte pelo sucesso do grupo Novos Baianos), o choro conheceu um período de revitalização, nos anos 70. Não apenas surgiram grupos jovens dedicados ao gênero, como os cariocas A Fina Flor do Samba, Galo Preto e Os Carioquinhas, mas um novo público se formou, ampliado por clubes de choro criados em cidades como Brasília, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, Goiânia e São Paulo, entre outras. O novo interesse pelo gênero propiciou também a redescoberta de veteranos chorões, como Altamiro Carrilho, Copinha e Abel Ferreira, além de revelar talentos mais jovens, como os bandolinistas Joel Nascimento e Déo Rian. Sem dúvida, o músico mais brilhante dessa nova geração foi o violonista carioca Rafael Rabello, que apesar de ter morrido prematuramente, aos 32 anos, em 1995, deixou gravada uma obra de peso.
Já a partir dos anos 80, o choro passa a estabelecer outras conexões musicais. Grupos de espírito chorão, como a Camerata Carioca e a Orquestra de Cordas Brasileiras, também traziam em seus repertórios música erudita de Bach, Vivaldi e Villa-Lobos, ou mesmo o tango contemporâneo de Astor Piazzola. Por outro lado, a música popular brasileira passou a flertar mais com o choro através de obras de influentes compositores e letristas, como Paulinho da Viola e Chico Buarque, ou instrumentistas, como Hermeto Pascoal. Já na última década, o choro vem recebendo uma ênfase especial na parceria do violonista e compositor Guinga com o veterano letrista Aldir Blanc, que elevaram o patamar das experiências com o choro vocal. Entre os músicos da atualidade que dedicam considerável parte de seu repertório ao choro chamam atenção o pianista Leandro Braga, o gaitista Rildo Hora, o clarinetista e saxofonista Nailor Proveta Azevedo e os flautistas Antônio Carlos Carrasqueira e Dirceu Leitte.
Fonte: Choro - Uma música sentimental, sofisticada e muito brasileira (Carlos Calado)
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