segunda-feira, 17 de julho de 2006

O bêbado e a equilibrista

Nossos compositores sempre tiveram o costume de registrar em música e verso acontecimentos relevantes, às vezes nem tanto, da vida brasileira. Um rápido exame do repertório nacional encontrará revoluções, campanhas políticas, feitos de brasileiros e outros fatos inspirando canções de crítica ou louvação. Nem mesmo a censura ferrenha de duas ditaduras foi capaz de impedir essa prática, muitas vezes disfarçada pelo uso de imagens alegóricas.

Este é o caso de “O Bêbado e a Equilibrista”, uma notável composição de João Bosco e Aldir Blanc, que focaliza uma promessa de abertura democrática, na ocasião cercada de incertezas. Parodiando a forma de um samba enredo, a canção descreve uma cena patética em que dois personagens — o bêbado e a equilibrista — movimentam-se ridiculamente num fim de tarde sombrio — “E nuvens / lá no mata-borrão do céu / chupavam manchas torturadas”. O bêbado, trajando luto e lembrando a figura de Carlitos — “Fazia irreverências mil / pra noite do Brasil / (...) / que sonha / com a volta do irmão do Henfil / e tanta gente que partiu” — ou seja, para a situação brasileira da época. Já a equilibrista era — “A esperança (que) dança / na corda bamba de sombrinha (e) em cada passo dessa linha / pode se machucar” — o que correspondia à expectativa ansiosa de um projeto de êxito imprevisível.

E a canção prossegue, utilizando conscientemente o mau-gosto e o lugar-comum como forma chocante de expressar a crítica a uma realidade indesejada — “Chora / a nossa pátria, mãe gentil / choram Marias e Clarisses / no solo do Brasil”. Diga-se de passagem, que “o irmão do Henfil” e as “Clarisses” citados nos versos referem-se a personagens reais, sendo o primeiro o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil, na época exilado, e a segunda, Clarisse, viúva do jornalista Wladimir Herzog, enforcado numa prisão da ditadura, em São Paulo.

“O Bêbado e a Equilibrista” foi lançado por Elis Regina em junho de 79, numa gravação orquestrada e dirigida por César Camargo Mariano, integrante do elepê Elis, essa mulher, o primeiro da cantora na gravadora WEA (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

O Bêbado e a Equilibrista (1979) - João Bosco e Aldir Blanc - Intérprete: Elis Regina

LP Elis, Essa Mulher / Título da música: O Bêbado E A Equilibrista / João Bosco (Compositor) / Aldir Blanc (Compositor) / Elis Regina (Intérprete) / Gravadora: WEA / Ano: 1979 / Nº Álbum: BR 36.113 / Lado A / Faixa 2 / Gênero musical: Samba.


Intro.: A7M

A7M
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
C#m7(b5)   F#7     Bm7    F#7(b13)
Me      lembrou Carlitos
Bm7                              D7M
A  lua, tal qual a dona de um bordel
E7(9)
Pedia a cada estrela fria
Bm7   E7(9)  C#m7 Cm7 Bm7 E7(9)
Um brilho de  alu------guel

A7M                            C#m7
E nuvens, lá no mata-borrão do céu
   Em/G                  F#7
Chupavam manchas tortura----das
C#m7(b5)    F#7  Bm7
Que su---foco
Dm7    G7(13)                    D#º
Louco,       o bêbado com chapéu-coco
A7M         F#7         B7(13) B7(b13)
Fazia irreverências mil
Bm7  E7(9)  A7M         E7(9)
Pra noite do   Bra----sil, meu Brasil

A7M
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
C#m7(b5)  F#7   Bm7   F#7(b13)
Num rabo      de  foguete
Bm7                          D7M
Chora a nossa pátria, mãe gentil
E7(9)
Choram Marias e Clarices
Bm7  E7(9)  C#m7 Cm7 Bm7 E7(9)
No solo do   Bra----sil

A7M                       C#m7
Mas sei que uma dor assim pungente
Em/G                 F#7
Não há de ser inutilmen----te
C#m7(b5)     F#7  Bm7
A espe---rança
Dm7   G7(13)                        D#º
Dança        na corda bamba de sombrinha
A7M           F#7         B7(13) B7(b13)
E em cada passo dessa linha
Bm7      E7(9)     F#7
Pode se ma----chu----car

Dm7  G7(13)                   D#º
Azar,       a esperança equilibrista
A7M            F#7            B7(13) B7(b13)
Sabe que o show de todo artista
Bm7         E7(9)    A7M
Tem que conti---nu-----ar...

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