Subvertendo a praxe de lançar um disco e depois montar um show com o seu repertório, Caetano Veloso (foto) decidiu inovar com o espetáculo “Velô” estreado em maio de 84, apresentando oito músicas inéditas que só seriam gravadas no semestre seguinte. Abrindo o show e o elepê homônimo, ambos decididamente roqueiros, estava o dinâmico “Podres Poderes”.
Esta composição é um rock seco, de andamento rápido, com uma letra cheia de interrogações que remetem a uma saraivada de colocações iradas sobre o poder político (“Enquanto os homens exercem seus podres poderes / morrer e matar de fome, de raiva e de sede / são tantas vezes gestos naturais...”) e à “incompetência da América católica”. A junção das sílabas “ca” dessas duas últimas palavras formam uma terceira, “caca”, sinônimo de porcaria em português e espanhol. Nesse jogo, quase lúdico, Caetano também aborda a música brasileira, citando “o hermetismos pascoais”, “os tons”, “os mil tons”, “tins e bens”, numa referência a cinco de seus compositores favoritos.
Como em boa parte de sua obra, a canção tem uma melodia despretensiosa, sendo utilizado, porém, um engenhoso procedimento rítmico: a primeira parte (rock) é em compasso quaternário e a segunda em binário. Nesta, entretanto, a melodia, com grupos de duas tercinas em cada compasso, induz à ilusão de compasso ternário, estranho ao rock, que funciona assim como contraste bem apropriado às posições e contraposições da letra, que entusiasmou o público.
O repertório de Velô, que segue essa linha demarcada em “Podres Poderes”, tem músicas como “Língua” (um samba-rap gravado com a participação de Elza Soares), “Sorvete” e a notável canção “O Quereres”, em versos decassílabos, com antônimos em profusão, que, ao lado de “Podres Poderes”, alinha-se entre as melhores de Caetano Veloso (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).
Podres Poderes (1984) - Caetano Veloso - Intérprete: Caetano Veloso
LP Velô / Título da música: Podres Poderes / Caetano Veloso (Compositor) / Caetano Veloso (Intérprete) / Gravadora: Polygram / Ano: 1984 / Álbum: 824 024-1 / Lado A / Faixa 1 / Gênero musical: Rock.
Intro: A A enquanto os homens exercem seus podres poderes B/A motos e fuscas avançam os sinais vermelhos D E7 F° F#m e perdem os verdes somos uns boçais A queria querer gritar setecentas mil vezes B/A como são lindos, como são lindos os burgueses D E7 F° F#m e os japoneses mas tudo é muito mais C será que nunca faremos senão confirmar E7 a incompetência da américa católica F7+ Bb7 que sempre precisará de ridículos tiranos? C será, será que , que será , que será, que será E7 será que essa minha estúpida retórica F7+ Bb7 terá que soar, terá que se ouvir por mais mil anos? Solo - A B/A D E7 F° F#m A enquanto os homens exercem seus podres poderes B/A índios, padres e bichas, negros e mulheres D E7 F° F#m e adolescentes fazem o carnaval A queria querer cantar afinado com eles B/A silenciar em respeito ao seu transe , num êxtase D E7 F° F#m ser indecente mais tudo é muito mau C ou então cada paisano e cada capataz E7 com sua burrice fará jorrar sangue demais F7+ Bb7 nos pantanais, nas cidades , caatingas e nos gerais C será que apenas os hermetismos pascoais E7 e os tons e os mil tons, seus sons e seus dons geniais F7+ Bb7 nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais? A enquanto os homens exercem seus podres poderes B/A morrer e matar de fome, de raiva e de sede D E7 F° F#m são tantas vezes gestos naturais A eu quero aproximar o meu cantar vagabundo B/A daqueles que velam pela alegria do mundo D E7 F° F#m indo e mais fundo tins e bens e tais C será que nunca faremos senão confirmar E7 a incompetência da américa católica F7+ Bb7 que sempre precisará de ridículos tiranos? C será, será que, que será, que será, que será, E7 será que essa minha estúpida retórica F7+ Bb7 terá que soar, terá que se ouvir por mais mil anos? C ou então cada paisano e cada capataz E7 com sua burrice fará jorrar sangue demais F7+ Bb7 nos pantanais, nas cidades, caatingas e nos gerais C será que apenas os hermetismos pascoais E7 e os tons e os mil tons, seus sons e seus dons geniais F7+ Bb7 nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais? A enquanto os homens exercem seus podres poderes B/A morrer e matar de fome de raiva e de sede D E7 F° F#m são tantas vezes gestos naturais A eu quero aproximar o meu cantar vagabundo B/A daqueles que velam pela alegria do mundo D indo mais fundo E7 F° F#m tins e bens e tais D tudo mais fundo E7 F° F#m tins e bens e tais D tudo mais fundo E7 F° F#m tins e bens e tais
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